Queria ser
Um dia eu quis
Sair do corpo como quem me diz
Em poemas e verbetes vãos
Sair da matéria e ser verniz
Pois de que matéria é o movimento?
Sem vento, sem tempo, sem acalento
Eu quero ser Safo modernizada
Ou claros borrões de um Agenor
Ser Álvares sem estertor
Ou Goethe em sonhos cegos
Mas de verdade queria ser frio
Pra absorver todos os invernos
Ou quente em demasia
Pra padecer nos infernos
Sem injúria ou frescura
Queria ser luz no firmamento
E na dúvida de ser assim
Tanta e pouca matéria sem fim
Digo, sim, que sou carne rubra
‘Inda ácido e tanto de veneno.