Carta a todas as pedras
Sois pedra, tão oca como um ouvido.tão profunda como um rio.
E o vento que te passa conta-te o segredo. Não falas, para isso há o homem,
As árvores e as flores. Conta o poeta que sois vozes e almas. Canta-se nos montes
Que sois memórias e deuses. Mas tudo se comporta à lucidez da vossa textura, da temperatura racional da vossa matéria,
Do silêncio do vosso grito. Não tenho mais água que vós. O meu sangue anda perdido em ventos e outras marés.
Só quero esse ar, essa enzima de solidão, para compreender outra vez o tempo, a circulação dos verbos,
O retiro das saudades.
Não precisais da morte, vós sois o aço sempre vivo do vosso antigo sangue, Vós sois o ciclope do poema.
Sem vaidade e sem humilhação a vossa sobriedade surpreende a voz, essa petulante verdade.
Tão frias como o fim e, no entanto, eu estou aqui acendendo mais um cigarro, logo mais bebendo uma bica.arvorando uma canção,
Que falará da pedra, daquela que por tão ouvida se forjou o silêncio