[eu te vejo]

eu te vejo nos lugares, desconhecida.

e eu sei que você anda, fala e rebola

suas pernas de luz e frêmito na asa sul

pois eu troquei olhares com você hoje.

você estava obscurecida pelo vidro de

um carro, na manhã que ainda era uma

semente.

eu te vejo nos lugares, desconhecida.

mas não foi a primeira vez que eu te vi.

antigamente você andava de sobrancelhas

e cabelos negros ao sol e ao vento,

voltando altiva da sua escola, de uniforme

novo, e como eu te olhei, e desejei suas

pernas brilhantes. você nunca me olhava nos olhos.

eu te vejo nos lugares, desconhecida.

apesar de você não me ver ou fingir que

não. outro dia te encontrei em um

restaurante, você trabalhou lá, e me

entregou a nota fiscal da minha humilde

refeição, que fiz só pra te tocar e ouvir

sua voz. e te ouvi de fato, falando

profissionalmente um “Obrigado” róseo

de suave flauta doce.

eu te vejo nos lugares, desconhecida.

eu te descobri então, e você mora

por aqui, e te cacei como raposa, arrastei

meu corpo como aranha colossal pelos

gramados, e vi os velhos calangos do

cerrado a fumar sonhos e tristezas, pensei

nos seus lábios, seus olhinhos esguios,

sua delícia de caixa de restaurante entre

vapores degustativos e tive várias

aspirações arritmadas, imaginei você

suando como orvalho taciturno em

cima de mim, passando suas pernas ao

redor de todo o meu mundo, e sorri de

alegria, enfim, pois em algum tempo

posterior, de algum jeito voaremos, como

os pombos, neste céu

- azul, sua cor - que, aliás, deixa a gente

inspirado como um deus de ouro e

lascívia.

eu te vejo nos lugares, desconhecida.

será que você me vê?

e se me vê, dançaria comigo, trocaria sua

pele por tintas e maquiagens para sair comigo, para meu deleite e ilusão?

e jogaria seu veneno em minha garganta

a dentadas? - dentes escondidos pela

cavidade bucal sinistra -

que seria da colisão das nossas vidas?

eu te vejo nos lugares, desconhecida.

nos lugares onde amei, vivi, dormi e cantei

em embriagados fins de noite.

eu cogito amar você. de estranhas

maneiras, cores e formas.

eu te vejo nos lugares, desconhecida.

e agora mal posso esperar

pra ver lugares em você.

--*--

15/04/09