AS RAMPEIRAS DOS SEUS OLHOS

Seus olhos são bêbadas rampeiras de beira de estrada,

que dizem pra mim muito mais do que todos meus sacis fugidos,

que tem vértebras como se fossem o dorso de um furacão,

que tem mais segredos do que as línguas de uma criança.

Seus olhos me conduzem para confins inflamados,

montanha-russa sem fim, sem descanso, sem feitor,

tapete mágico que desfralda meus fogos de artifício,

sândalo que fazem os deuses se enfartar de vez.

Seus olhos são trincheiras de um haras que ainda não escalei,

fardos solenes da mais pura alfafa, ermitão resgatado desses sonhos de cigano desnudo e arredio,

dente moído pelo tempero mais alecrim da vida.

Lembro bem do dia em que cravei minhas âncoras nos seus olhos.

Era começo da manhã, por certo ainda estava atracado a um sonho mundano, a uma deriva qualquer, a uma garganta perdida desse cais sem fim.

E você veio toda menina, seios querendo galopar na minha pele, língua louca para trotar nas minhas ancas mais safadas, mais dissecadas pelas fronhas ainda virgens que não tentamos desmamar, não ousamos fincar um dedo sequer.

Quando vi seus olhos, acredite, fiquei anão, virei besta-fera, acabei me traduzindo tudo errado, todo torto, todo fora do prumo.

Seus olhos, feito ferro em brasa, começaram a rasgar a minha alma sem dó, sem perdão, sem pedir licença ou a benção da minha crença.

Quando dei por mim, estava plenamente refém desse chicote, tendo esquecido até quem tinha sido um dia, se é que tinha sido algo algum dia.

Foi então que fiz a única coisa que me restava nessa vida.

Peguei seus olhos, um atrás do outro, e calmamente os coloquei dentro da minha trouxa, justamente aquela que veio de contrapeso no meu útero, que veio de lambuja nesse cabresto grisalho que conheço muito bem.

Fiz um embrulho com as paredes ainda virgens do meu coração, dobrando cada parte com cuidado, sem medo de tropeção ou ressaca.

Joguei o embrulho nas costas, disse adeus para mim mesmo e fui embora.

E então baixaram as cortinas, apagaram as luzes e ninguém mais restou para mostrar o final dessa história.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 28/04/2009
Reeditado em 14/01/2024
Código do texto: T1563905
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