Se Sou, Sou Assim

Sou montanhês de dois

cajados,uma manta de lã,

uma meia de cabra;

não tenho parentes,

só espinhos.

Não que seja bravo,

sou montaria dos ventos,

e maino do sol.

Me ruivo ao rodopiar

ao forte sudeste;

tenho cabras leitosas,

e quando cai a noite

me fecho em abas.

Sou simples e rudimentar.

Não sou de letras

não tenho canetas,

escrevo com coração;

quando acordo,

e a majestade da montanha

desperta, nasce a

festa interior do homem.

Os pásaros se rebuliçam,

as coisas se esticam,

a natureza se esfrega como

dois pombos apaixonados,

o sol é o primeiro a chegar

retirando lentamente a

noite de seu lugar e

é o último a nos deixar.

Não conheço vales, nem campos,

o que vejo aqui de cima

é algum puro mar longíncuo

e restos de palhoças,

bem dispostas,

dançando ao veroz vento

e se abrigando do forte sol.

Por isso se me procurarem

digam que nada acharam,

não por vesgo ou à esmo.

Digam apenas que nada viram

ou se viram ,

se depararam com um homem

simples, um sol no coração

e um desespero na alma.

Fugi, fugi de todos

por mera precaução:

descobri o amor e tive

medo de abraçá-lo.

Se vivo só, vivo augusto,

coberto de panos

e jamais faço anos.

Mas se me virem,

se me virem, digam

que espargi diante das pedras

e sonho todos os dias

com a leva de cordeiros

e carneiros.

Se sou assim, sou assim.

Mas prá cidade não volto mais;

de lá tenho medo,

de me fazerem homem

igual, com rótulas de chapéus

e ternos longos de agonia,

vivendo sem frestas

no parque da cidade sem festa.

José Kappel
Enviado por José Kappel em 17/05/2006
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