OS OLHOS DE SORAYA MARIA

Lembro bem deles, nem querendo dava para esquecer,

duas cerejas imensas, fumegantes, esculpidas com alma e magia.

Quando se moviam pareciam levar todas as paisagens consigo,

como anzóis que se lançavam ao mar com o apetite da primeira mamada.

Se se fixassem em alguém, em alguma coisa, num desejo travesso qualquer,

era como se imantassem todos seus sentidos, estatuando qualquer menção de movimento, qualquer tentativa de fuga era sumariamente decretada à morte.

O pior é que também tinham cheiro, como tinham.

Pela manhã, exalavam angústia. Chegando ao almoço, soltavam uma essência de solidão. Quando a noite aparecia ao longe, jorravam desejos por todos seus poros.

Tinha dias em que não queriam conversa com ninguém. Quando isso acontecia, viravam ermitões de si mesmos, como se o mundo externo não existisse, nunca tivesse passado por aqui.

Também havia o tempo de semear, esse era bom, e como.

Os olhos de Soraya Maria se tornavam as próprias mãos do criador, isso mesmo, Deus fazia deles a sua vara mágica, aquela que usava no seu trabalho diário de acertar as arestas desse mundo.

Então eles se tornavam réplicas vivas do divino, viravam a pele, os ossos, os dentes e os suores do dono do show.

Foi num desses momentos tão especiais, que os conheci. Não esqueço deles um tiquinho sequer.

Na verdade, foi mais que um simples encontro, foi uma brutal colisão que tive comigo mesmo, uma trombada que fez tudo de mim virar pedacinhos, virar caquinhos.

Acabou com toda minha história, meus passos já marcados no chão, todo meu sangue percorrido virou cuspe, singelo e fugaz cuspe.

Nessa hora, não restava outra saída na vida, só um atalho mostrava sua nudez plena, resistir era pura perda de tempo.

Então olhei firme para aquelas nervuras saltadas que Soraya Maria tanto insistia em exibir nas suas mais altas torres e atraquei neles a minha alma mais perdida, mais mal lavada e mais surrada.

Aí juntos, tipo mãe e filho, fomos abraçados caminhar enfim.

Fomos abraçados caminhar enfim.