O deus do fogo mora no fundo dos olhos.

O que seria esta idade?

Todos os que conheço, morrem cotidianamente

Ou vivem desolados;

Assistem no circo a um torpe espetáculo

Ora são feras, ora são mágicos,

Simulando ilusão entre um e outro numero;

São artistas e público

Rindo de si estupidamente...

Quantos livros li? Inúmeros...

Bastava o primeiro para certificar-me

A bem nutrida ignorância...

Porém, continuo lendo sob disfarces,

E sigo culpando o mercado livreiro;

Na verdade, cada livro é apenas um espelho

Onde minha alma despedaça

E minha imagem estilhaça.

A odisséia do anti herói

Está escrita na minha experiência

Sofro mentiras culposas e dolosas

Impressas na minha sombra

Meu algoz esquizofrênico

Espreita na sala de espera do analista

Freud, Jung, Freud... É um mantra.

Continuo lendo livros

Anseio novas irrelevancias,

Ignorâncias humanas e científicas,

Esta razoabilidade me põe diante do monolito.

Foda-se Clarke!!!

O homo sapiens é um homem só,

E logo será o homem humus.

Uma paródia bizarra da mariposa

Inseto em volta da luz

Dançando para a deusa da morte.

Existe um deus fogo

Que me habita o fundo dos olhos

E apenas o tolo tem,

É deles o reino dos céus

Que não sei onde fica...

Quando fazem fogueira

Os tolos chegam para celebrar

Numa orgia piromaníaca

Não tome lítio pela manhã

Sossegue, deixe Jung em paz

Sábios só tomam sicuta

Mas desejam mesmo láudano e heroína...

Meu vizinho adora pássaros

Tem um monte de gaiolas

Sempre que posso brigo com ele

Faço tudo para importuná-lo,

Mas pela manhã ele me diz bom dia.

Deus, minha alma estremece

Temo este tipo de educação...

Na minha sala a paisagem clichê

É uma mansarda com chaminé

Um rolo de fumaça se desprendendo

Desafiando a gravidade,

Nosso epitáfio escrito numa bucólica placa:

Lar, doce lar;

A luz convergindo para o plano

Um riacho rasga a linha de base da figura

O ponto de fuga torce toda a cena,

A opção cromática está além da imagem

O bucólico freme, o tédio vibra e o pintor fenece,

Mas aquela fumacinha inocente

Desconcerta toda a cena

E o diabo de um canto do inferno

Pisca o olho para mim.

Minha memória recorta tudo em flash back.

Já amei um amor desbotado

Em pálidas emoções

Gostávamos do quê?

Sofríamos pelo que?

Estou preguiçoso demais para os rituais de solidão.

Outro dia numa foto não reconheci

Um lugar, uma cena,

Que a foto quis registrar;

Onde? Quem? Por quê?

Nada resistiu ao inventário dos amores perecíveis, nada.

As urgências do meu peito

Estão determinadas por um eco cardiograma.

O amor não se encontra na mitral

Bocaccio despiu o amor

E ele desnudo permaneceu triste.

Então o deus do fogo

Imolou um jovem casal

E morrer de amor era o final feliz.

Meu vizinho cria pássaros

Em belas gaiolas.

A gerente do banco tem promessas nos olhos

Suas mãos me falam, mas faço de tonto.

O deus do fogo mora no fundo dos olhos

E lá fora a poesia habita

Até na palinfrasia...