Vôos ou festa de um corvo
Uns voam com asas de cera e penas
Ou em tapetes mágicos, de tecido ou de palavras;
Outros se afastam da realidade,
Quando vestem suas fantasias
Para desfilar, no carnaval, sua liberdade.
Porque um homem de terno é um corvo.
E um corvo, quando quer se alforriar,
Veste-se de sabiá
E se lança ao céu do carnaval,
A fim de livremente voar.
Quanto maior a gravidade da rotina,
O peso do dia a dia,
Mais difícil é sair do chão;
Portanto, mais louco e frenético deve ser o vôo:
Torna-se mais que urgente entregar-se à ilusão.
Um homem cuja função é redigir
Burocráticas petições e frios relatórios,
Atado num gélido escritório,
Escreve então um samba-enredo
E se faz poeta para gritar sem medo.
O som monótono e arrítmico dos dedos
Trabalhando no teclado se converte na loucura cadenciada
De uma percussão tocando samba;
E a organização estática do escritório transforma-se
No caos de um bloco, que pelas ruas descamba.
Mas é o carnaval uma festa,
Promovida por Baco para Apolo,
Na qual paródias de nós mesmos são reveladas?
Ou será que somos paródias na maior parte do tempo,
E a fantasia, ao invés de nos vestir, nos desnuda,
Tornando aparente a essência sempre camuflada?
Afinal, no carnaval, as máscaras são colocadas ou retiradas?
Apolo é Baco disfarçado ou vice-versa?
Já não sei quando escondemos ou libertamos
Nossas vontades refutadas.