SEXTA-FEIRA

Quero fazer um poema

Tenho as mãos livres

E o tempo todo.

Quero fazer um poema

Pois hoje é sexta-feira

Mas o traço é torto

Algo não está certo.

Preciso fazer um poema

Mas a sílaba escorrega

Como a gota de mercúrio

do termômetro quebrado

E me sinto preso

Entre a ânsia da palavra

A letra morta

O ruído leve

E o silêncio pesado.

Quero fazer um poema

Nem que seja pra quebrar o gelo

Pra me sentir honesto

Pra desviar a atenção

E aplacar a libido.

Preciso fazer um poema.

Quero falar do espanto

Quando vejo a ruga fina

Que surpreende meu semblante.

Quero falar de alegria:

Da música do rádio AM do porteiro

E da vizinha simpática

Que encontrei no elevador hoje à tarde

E que encheu meu coração de ternura.

Preciso falar da dor,

Do amigo que jaz semi-morto num leito de hospital

Da falta de emprego

Da fome do mundo

Do início das eras

Da pedra fundamental.

Talvez, na realidade, eu não queira

nem precise fazer um poema.

Talvez eu só queira

Abraçar a vizinha

Cantar a música

Desentortar a sílaba

Aprender com as rugas

Encontrar um emprego

Acabar com a fome

E achar a pedra.

Talvez eu só precise

Encontrar o amigo

Cantar a vizinha

Acabar com o emprego

Aprender com a fome

Desentortar as rugas

Abraçar a sílaba

E achar a música.

Mas, talvez, sobretudo, eu necessite

encontrar um meio-termo

Entre o que eu preciso

E o que eu quero.

Misturar

Alegrias

Espantos

E dores

Na medida certa.

Mas eu sei que isso é impossível.

Então eu faço um poema.

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