Paris em todo o lado

Paris em todo o lado, em toda a cabeça,

No meu corpo. Não me sai de cá.

Ficou fazendo Folies Bergéres na minha imaginação.

Paris, em todo o lado, roendo a corda da Europa fria,

Da megera verdade cristã. Paris rota exacerbando

Toda a arte, bebendo todas as palavras do silêncio. E o nada

Mortal cavado em Paris em todo o lado.

Em todo o lado Paris! é urgente descongelar o meu ordenado,

Fazer promessa na minha felicidade, fazer fé no descalço.

Paris cheia de tão grávida já, em todo lado,

Fecundando as ruas desertas, todos os poemas ainda malditos.

Nas livrarias, nos urinóis, nas escolas, nas esperanças espavidas

Neste deserto de ideias.

Paris, é preciso que Paris se apresente na tropa, no palácio de Belém, nos reformatórios,

Nas adegas húmidas do vinho do Porto. È preciso que este Paris que está na minha cabeça passe para outra cabeça,

Se faça uma cirurgia estética nos poemas rarefeitos, que se humilhe a humildade, pois, porque eu quero que Paris

Derreta todo o Oceano entre Brasil e Angola, que Espanha engula Espanha e se faça o Poema político eterno.

Se faça de novo Paris, dos escombros de Paris, se abra o Sena no meu Liz. Se faça a guerra civil das rosas.

Se faça o Caos na Esperança. Este Paris não é o que vocês pensam, vai muito além, é uma dor muito fina

De amor, é um rio contínuo de casas e mogadouros recentemente descobertos na minha memória. É uma dor

Tão grande como Paris, que ainda não entrou na minha caixa do correio, de tão longe está nesse céu impossível de definir.

Tantas casas do Alentejo. Tantos fontanários das Beiras, tantos risos, tantas vontades simples às 8 horas da manhã.

Esse Paris impossível de definir, é preciso que esteja em todo o lado. Paris que me entre das orelhas para dentro e para fora,

Paris das bicas, das conversas e dos abraços. Paris das verticais e das oblíquas, Paris sempre Paris.

Não pisem Paris, esse é o meu testamento, diz que temos de olhar por nós e olhar de frente os outros, diz abraços, diz

Celebrações, diz continuidade, diz amizade.

Valerá a pena Paris estar de todo o lado, debaixo e de cima, espreitando o sexo, bebendo os verbos e as palavras, fazendo árvores

De laços?

Este Paris de bola preta no meu ouvido, que não quer ouvir ninguém dizer hipocrisia, nem bem-haja, nem porra nem merda.

Este nenhure de poesia que se instalou como Paris tão elegante capaz de dizer caramba a quem passa, este silêncio de consentimento,

Este resmungar cabisbaixo. Paris não levará a mal eu dizer que há fome na minha cidade, nem dizer que o Benfica ganhou. Eu sei , Paris é só um poema, Sim, não, não é uma anedota, é um ponto de exclamação, é um rato rinoceronte que se satisfaz ao sol da manhã, que ouve a lua roçando a minha pestana, que adormece em qualquer palavra. Não, Paris não está a arder, não é preciso sangue, não é preciso qualquer chama nesta paixão que consome. Paris será sempre Paris, talvez

Não seja preciso ler mais, o que eu disser está dito e redito na Bíblia, no Origem das espécies, no D. Quixote de La Mancha, Na interpretação dos sonhos, no Capital, Na Ilíada e na Odisseia, Nos princípios da Física de Newton, podia-me contar Einstein, ou Galileu, mas assim fica mais fácil, destruindo palavras do meu corpo,

Reinventando outro hidromel dos Deuses, sentado à beira desta Paris adormecida, fazendo-se passar por única verdade, elevando o verbo à magnitude

do sentimento.

Constantino Mendes Alves
Enviado por Constantino Mendes Alves em 03/06/2006
Código do texto: T168947