Asseio

as verdades do mundo se escondem

no meio da trama dos fios do tapete

nas teias de uma aranha velha

que se acumulam nos batentes

da porta dessa casa estranha

pobre aranha que nunca roubou

a vida de uma só mariposa

alheias estas ao que o mundo esconde

alheia aquela ao pó que ignora

alheio aquele ainda aos pés que trazem do mundo

somente a verdade

pobres partículas de verdade

em si contém tudo o que há em tudo

- falta-lhes apenas um pingo de vontade

de serem mais do que migalhas

de um mundo infinitamente maior

alheio este às próprias migalhas que o constituem

alheamento, ignorância, verdades,

tapetes empoeirados, teias-de-aranha empoeiradas

e pó

são os bens, o legado desta casa velha

resta viver em meio ao pó

respirá-lo até que adira aos pulmões

e que termine por deixar quem o respira

velho e empoeirado como a habitação

ou removê-lo

deitar fora o tapete sujo

tirar todas as teias-de-aranha - e matar cada uma delas

e a todas as mariposas

e com baldes e baldes d'água

dar à casa uma aparência clara, limpa e habitável

como só a mais asseada ignorância é capaz