QUANDO OS SONHOS SAEM DO PAPEL

Sonhos são bússolas atônitas atiradas ao vento,

como feras cegas, bêbadas e atônitas loucas por um pedaço de pão,

ou de chão, ou de mão.

São veias que não sabem o que carregam, nem onde vão dar,

se é que vão dar em algum lugar.

Sonhos são passos trêmulos em direção ao nosso peito,

ao nosso leito, ao nosso jeito.

São máscaras que destronamos com fugaz fôlego,

com tênue afago, com solene bocejar.

São peitos jorrando leite, bocas atirando fogos, suores desalinhando os

desejos.

Cada um deles tem seus filhos, seus arremedos, seus arremates.

Cada um deles sabe onde fica a mira, a ira, a pira. A descarga.

Cada um deles sabe onde destrava o fuzil, onde desabotoa a blusa,

o bico do peito que mais se inflama e se enrijece. E fica untado de tesão.

Cada um deles sabe onde estão as nossas fuligens, nossas criadas, nossas bem e mal amadas ilusões. Nossas farsas tão bem disfarçadas.

Cada um deles nos têm cativos, fiados e possessos com demos e fadas mil. Como sacis que saltam a cada piscar de olhos, a cada batida do coração.

Os meus sonhos vem de mansinho quando acordo, mostram seus dentes inflados, suas geringonças em forma de valsa manca, suas ancas de gazela já caídas pelas tantas ciladas que eu mesmo armei, desarmei e refoguei com sorriso de moleque.

São todos meus filhos, legítimos e bastardos, farsas que eu conheço de cabo a rabo, todas suas artimanhas sei recitar sem olhar na partitura, sem olhar para trás, nem para frente.

São Orixás sem fé, bestas-feras que saltam dos meus poros como gazelas fugidas do cio, como suspiros exilados do meu país, casquinhas de ferida que adoro arrancar, só pra ver nascerem de novo, até todo o sempre.

E que hoje, finalmente, vão sair dessa poça sem-saída, vão se arrancar de mim mesmo como pássaros que relembraram seu voar, como gozos que voltaram à vida, voltaram à minha vida.

Bendito Deus que dá trincheira para essa folia toda!

Bendita folia que tira o cabresto desse Deus todo!

Bendito sonho que dá alforria para minha alma quando tudo estava coalhado, mofado e enervado de si mesmo.Com vontade de picar mula, fingir que não era comigo, como se isso fosse possível.

Bendita fronha que me deixa colocar a cabeça e finalmente conseguir repousar, e até dormir.

Bendita vida que me faz acreditar ainda, e finalmente, que tudo dá certo.

Como um simples, rápido e fugaz sonho.

Que hoje é só meu e de ninguém mais.