Diário 09/02/06

Estou perdido neste deserto,

onde os homens fogem como pássaros em migração.

Um sítio onde não se descobrem palavras,

nem se bebem emoções. Um nada inventado

na solidão. Um verbo sem imitação. O poema sem inércia.

Uma mulher vazia de seios. Um ventre opaco estéril.

Na solidão.

Um sítio onde se já fez o carinho, onde nem ódio

pode habitar. Sem voz, como um começo mudo de uma canção.

Este deserto da invenção, este nenhure de nome, este antónimo de sentimento,

Este degredo de vontade. Esta obesidade do eu.

Só há vento, tão mudo como uma estrela distante, que diz, irónico contente:

Não irás, não serás voz.

Em todas as sílabas procuro a chave de um grande poema.

As palavras acabam

Melodramaticamente em fim. Mas neste meio só se saberá o começo,

Esse longínquo sentimento só perceptível no verbo, que só estará,

Aí. Nesse ouvido em olho, de qualquer pedra do deserto,

Que já foi gente, e eu sei não ser ninguém.

Constantino Mendes Alves
Enviado por Constantino Mendes Alves em 20/06/2006
Reeditado em 20/06/2006
Código do texto: T178811