DE MANHÃZINHA
num segundo dia qualquer,
[um dia onde a poesia não era assim tão imprescindível]
o viu acordar,
era manhã e nem manhã parecia:
no seu olhar, um cheiro de café coado ontem
– requentado –,
seu andar obedecia a uma cantata de Bach
enquanto descobria, na casa, mistérios nunca dantes revelados por fantasmas
[era manhã e nem manhã parecia]
fez, no fogão não muito íntimo, uma comidinha nem tão nem tanto,
juntou seus guardados aos dele para selar de vez a união,
almoçaram juntos, sem saber se almoço ou janta
[era manhã e nem manhã parecia]
transplantou para o jardim todos os perfumes sonhados,
e, para a cama,
todos os lençóis bem usados
[era manhã e nem manhã parecia]
pensara ser difícil conviver c’aquele homem
– um marido! –,
mas era manhã e nem manhã parecia...
... e que venha um terceiro dia
[um dia em que a poesia também não seja tão imprescindível]
quando,
louca para vê-lo dormir,
inventará, inesperadamente, uma insônia crônica,
ou que as suas costas foram picadas por uma revoada de mosquitos!...
[era manhã e nem manhã parecia]
e, mesmo dia tardo, a tarde não lhes chega,
parece conhece-lo há muitas, há muitíssimas manhãs,
o tempo anda, num voar de calendários,
pois, viver em amor, é uma sublime eternidade!