Não sou poeta

Ser poeta? Quem me dera

Pois que não tenho idéias

Aquelas, que tem os poetas

Não entendo de rimas

De métrica eu nada sei

Apenas brinco com as palavras

E como brincam as crianças

Gosto de vê-las

Todas enfileiradas ou em círculos

Como se brincassem de roda

Gosto de vê-las contentes

Sempre em ordem crescente

Como num dia de festa

Com roupagens coloridas

E como as mais leves plumas

Vão deslizando no ar,

Deixando um doce perfume

Para não vê-las tristes

Sozinhas

Dou pra elas as mãos

E nesta brincadeira

Levamos a tarde inteira

Estas palavras meninas

Gostam muito de cantar

Conhecem tantas cantigas

Uma novas, outras antigas

E muitas canções de ninar

Quando estão de mãos dadas

Dançam, dançam sem parar

E quando ficam cansadas

Umas tropeçam nas outras

E vão caindo em cascatas

Eu fico muito feliz

Quando nelas dou um nó

E então, vejo-as desenxabidas

Que ficam até escondidas

Pra fugirem à explicação.

Mas de certeza, o que mais gosto

É de vê-las saltar, soltas

Como se fossem pipocas

Elas esquentam na mente

Vão virando sementes

E como numa plantação

Vão nascendo, vão crescendo

E alimentam toda gente

Fico triste às vezes

Quando vejo muitas palavras

Sisudas, velhas, cheias de preconceitos

E outras então, nem querem brincar

Preferem ficar pelos cantos

Têm medo de tudo

Ficam dentro de casa

Sem de nada participar

Outras então são tão arrogantes

Sabem de tudo

Dizem até que são donas da verdade

São tão orgulhosas

Que nem olham para as outras palavras

Fico apavorada

Quando vejo palavras maldosas

Querendo as outras escravizar

E pra isso conseguir

Não importam os meios

Podem até matar

Mas quando as vejo assim, inquietas

Prendo-as todas no dicionário

Para não vê-las fugir

Quando quero brincar novamente

Abro o livro de repente

E elas ficam todas contentes

Querendo do dicionário escapar

Mas logo digo:

-Hoje não posso brincar

Elas ficam tão tristes

Olhando-me de soslaio

Tentando me comover

Com seus olhinhos tristonhos

Então, escolho algumas

Aquelas que estão mais tristinhas

E convido-as pra sair

As outras, encolhidas, descontentes

Vão embora

Sem me dizerem adeus

Não sou poeta

Mas gostaria de ser!