CANÇÃO DO NOVO TEMPO

Então eu era como a sombra

De finados carnavais

Gesto mudo calcificado na retina

Não me reinvento:

Inútil paisagem nascida

De suas forças simples

Ao sabor das chuvas e dos ventos

Como uma homenagem de bronze

Em praça pública

Desloco no espaço em incertas diagonais

Sempre de encontro a corpos vazios

Mas os pés que cruzam a floresta de cimento

Não demarcam caminhos

Não há bússola ou astrolábio que me valham

Olho para os céus e pergunto:

Onde estarão Aldebarã, Órion e Cassiopéia?

Um cortinado de chumbo a vida cobriu

Então fecho os olhos e assumo

A natureza sinuosa de um rio calmo e profundo

Cujas águas com espírito de faca fendem a terra

E correm para as frentes do mar

Acordo, por fim

Estendido sobre a areia branca

Olhos ardentes sob a fulgência do sol

No ar ressoava uma canção, tipo de prece

Não me recorda mais a letra, tão somente

A melodia

Lembro que recendia à coisa nova

Espécie de anunciação

* * *

GOIÂNIA, 27 DE MARÇO DE 2006