Soneto Atroz

Deixe-me! Que agora a praga temporal me devora!

Meu pensamento, antes claro, agora anfibológico,

Inflectido na pútrida concepção do canto analógico,

Desgraça-me a cada suspiro manso que me aflora.

Encho minhas mãos, semeio-as com o frio temor.

Que desgaste a vida! Meu jardim nunca germinado,

Que há de secar entre minhas vísceras, amargurado,

Por não despertar, no fim de tudo, um poema de amor.

Ainda que esta mordaça sufoque-me o grito internamente,

E que minha lira desespere dentre a abstrata escuridão,

Rogo que minha alma calque por estes vales, lentamente.

Deixo marcas frias nos vastos e senis vales da solidão.

Não há vida nas pegadas, que se seguem, tristemente,

Como não há mais vida, além de sonhos, em meu coração.

Myrna RRP
Enviado por Myrna RRP em 23/06/2006
Código do texto: T181161