Soneto Atroz
Deixe-me! Que agora a praga temporal me devora!
Meu pensamento, antes claro, agora anfibológico,
Inflectido na pútrida concepção do canto analógico,
Desgraça-me a cada suspiro manso que me aflora.
Encho minhas mãos, semeio-as com o frio temor.
Que desgaste a vida! Meu jardim nunca germinado,
Que há de secar entre minhas vísceras, amargurado,
Por não despertar, no fim de tudo, um poema de amor.
Ainda que esta mordaça sufoque-me o grito internamente,
E que minha lira desespere dentre a abstrata escuridão,
Rogo que minha alma calque por estes vales, lentamente.
Deixo marcas frias nos vastos e senis vales da solidão.
Não há vida nas pegadas, que se seguem, tristemente,
Como não há mais vida, além de sonhos, em meu coração.