Alucinações em devaneio
I.
Do seu seio a água nasce
e por onde passa fecunda a terra
que lhe dá o ser Dela floresce e dá fruto
e deste nasce a semente
Dela se esfuma em vapor
e a ela regressa mais tarde
como é seu dever
II.
Na margem dos lábios sedentos
de beber o sal do silêncio
o grito ainda em larva ferve
no rigor da sombra Corre um rio de desejo
virgem desbotado
e amanhece a paz sequiosa
de ser grito e palavra
III.
Desnuda-se o busto que quer ver
ao menos uma vez na vida verdade
e movimento Pulsa da sombra o grito
que se faz forma e matéria até ser
claríssima luz e conhecimento
Das trevas te vejo
Do fundo das trevas te espreito
Silêncios de vertigens Pausas
feitas cansaços ansiosos
de palavras por nascer
Caminho ardente ainda estreito
que não tarda em deixar a palavra
de si dizer
IV
A cada passo que dou
analiso metodicamente o limite
das horas e dos dias frios Atónito cresço
de mim e de mim me interrogo
se vale ou não vale a pena
passar nesta busca os dias
V.
E caminho mudo e cego a cada passo que dou
e não dou na busca do infinito
vazio Amanheço ao ritmo do pulsar
do sangue e tremo com medo
de não me conseguir definir
e arrefeço qual álgido rio
VI.
Pára-me a luz na retina claramente vazia
Limita-se-me o pensar e as lágrimas rebentam
em lagos de puro cristal Bebo da ilusão fria
o silêncio onde escrevo palavras
de pedra e sal
VII.
Cresce do ventre materno o homem
a quem a luz deu vida
Tudo é movimento Em torno do sol
que aquece estátuas de pedra e sal
Horas mortas e inquietantes se transformam
em conhecimento
VIII.
Vertem-me da retina lágrimas
perdidas Enchem-se as ruas de sombra
das estátuas paradas Amanhece-me a noite
Sangra-me do peito aberto o terror sem luz
e da memória perdida
as feridas
IX.
No mesmo sítio a brisa e a sombra que gera
a sede de beber dos lábios o rio que corre
em movimento E a manhã que amanhece
e pálida aquece ainda
E a funda que arremessa a pedra
E a fonte do silêncio que grita a vontade de ser
conhecimento
X.
Nascem fontes da floresta
sempre em busca das águas de perdido navio
Reduzem-se distâncias
partem-se vitrais de cristal resistente
Do escuro da sombra continuará a nascer
a semente
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do projecto "O Íntimo da Palavra"
poema dedicado ao poeta Fernando Echevarria
Publicado no Luso Poemas