Clamas Chamas
Clamas chamas, lágrimas,
E ruidosos segredos lesados
Bradam cristais lívidos
Que chamam, queimam, choram.
A inquieta estrada em flor de tempo
À flor do peito sangra,
Caminha desairosa, rebentada, ao colo.
Ah! A revolta sedenta de cravos,
Flores em cheios jarros
Aclamados em chamas, ao fogo.
Na balbúrdia de desvarios
Em sono cândido de cantiga velha,
O nasalado negar constante
Em algazarra sinistra de vontades.
Qual galanteio sofrido em sombras
Lupanares de alcova inóspita,
As felinas barbas delgadas
Dum vate imberbe, ausente,
Incendeiam pelos e peles e carnes
Em labaredas sem queixumes de mel,
Em lábil trotar de bocas,
Num constante chamar e queimar e clamar
Em cinzas de lamúrias ou súplicas
Pelo brado bardo delírio.
Ah! Essa fome tua desmedida,
Essa sede crestada em forno brando
A tolher alquebrados passos pudicos
Na vilania da roda,
À moda dos quentes sabores
De sol e mal e fel e fardo...
Clamas chamas, chagas,
Dores em naus de cheiro e cinza,
Em mares lacustres, lacrimais,
Divina a soluçar em lençóis de vento.
Pastora vil de fogo e chamas
À perder contínuas fagulhas
A cada criptar de gozo,
A cada umbral cruzado em paraísos,
Em nirvanas colossais de pedra,
Sepulturas abertas.
Alfazema ateando narcisos e gerânios e lírios
Num campo em chamas e flores.
Ah! Esse brotar lenhoso, lânguido,
De teus caprichos de leite,
Enternecidos, alvos, ferventes, espaçosos,
Que queimam, clamam e morrem.
Na epopeia desnuda de travesseiros
Desenfronhados, desforrados, suados,
A desmembrar calores, cabelos,
Conclamas e gemes e chias e fazes
Calada a fogueira de teu ninho
Seco, sem frutos ou dissabores,
De palha fina, fraca, falsa.
Queimas até a última sombra,
Sobra cálida desse rumor gasto,
Desse odor de seiva, saliva e flor.
Ah! O arfar da pena em teu regaço
Armado, clamando calúnias ardentes
De espinhosas rosas em chamas.
A mortalha a recobrir farpas
Escassas de venenoso labutar,
Num chamar de víbora em guiso
Em chamas, escamas em fogo...
Clamas, chamas, matas,
Acaso morres, deitas, perfumas
Pequena a perecer, desfaleces.
Renegas o perdão à lua cadente
Em chamas de arcanjo, de ira,
Em teu leitoso queimar lento.
Ah! A pira louca e sinuosa caminha,
Cavalga insana em destino, nua,
Predilecta, vaso de furor e cobiça,
De bocas em chamas, ao fogo, à língua,
Maculada graça em flor de flor de sal.
Qual virginal vertigem a toque leve,
Alimenta, aos olhos de tão parca alma,
A vela pouca, sem castiçal, em cera,
Com amores boémios em cálices ardentes.
E no esbaldar calígula de tua voz
Treme o alvor pérola canino
Desejando rasgar a fala, a fuga,
Que clama e conclama, pede, mente, prega,
Queima solene em ouvidos teus.
Antes do passo aéreo dado outrora,
Num tempo a falecer em fumaças,
Tuas flores caminharam às labaredas
De teu clamar de ardor.
Ah! Clamas a réstia opaca
Dessa mal despida vontade,
E clamas o calor secreto de teus suspiros
Num soturno banho de sussurros moucos,
Num respirar falado de brasa e chama,
Numa saudade refeita em gozo e deleite.
Clamas chamas, lágrimas, flamas, choras,
Chagas, cheiros, lábios e morres.
Clamas um sonho...
Que não vem...