Autópsia

Morro pelo vento perdido

Morro pelo crime e castigo

Morro pela volta sem partida

Morro pelo que está atrás daquela porta

Morro pela palavra que toca

Morro pela estocada insólita

Morro pela suave derrota

Morro pelo sangue em terra batido

Morro por vezes pelo ouvido

Morro pela minha cor

Vadia

Na lâmina dura e fria

Morro sem despedida

Morro pela gota de um último sentido

Morro pelo terreno baldio

Morro sem aviso

Morro de improviso

Morro pelos tantos que medito

Morro pelos cantos

Morro pelos mantos

Morro pelos tantos

Desertores

Descobridores de frios

Abridores, calafrios

Morro pelos arrepios

Morro pelos exílios

Morro pelas cascas de nozes

Que atam e desatam suores

Morro pela palavra grito

Morro pelo que nem sei o que é isso

Morro pelas bandeiras

Morro pelos "Bandeiras"

Morro pelas revoluções

Morro pelas cadeias

Morro pelas centelhas

Morro por "Pessoas"

Morro pelas canoas

Morro pela folha dourada

Grafite da natureza acariciada

sem grifos...

Morro pelo gesto explícito

Morro pelo ato ilícito

Morro pelos sonhos sem assinatura

Morro pela palavra dura

Empalhada

Nesta manhã de sol itinerário que atura

A falta geométrica

Entre tantas incerta

Morro pela boca aberta

Morro pelos sinais

que a palavra espera

Morro pela descoberta

que a luz nunca professa

Morro pela estação

De águas escuras

Morro pelo coração

em abertura

Morro pelo excesso

de laqueadura

Morro pela semente

Morro pelo presente

Morro por essa dor doente

Morro pelos que sêmens

Morro pelos que gemem

Esta sala de estar ausente

Morro pelos delirium tremens

Subo o morro pela morte

Nunca socorro

Morro pela vertigem

Pelo apelo consorte

Por aquele esporro

Pelo formol e pelo nojo

Morro sem exorcismo

Morro sem atalho preciso

Morro pela navalha

E pelo fio...

Morro pelo desespero

Morro pelo vermelho

Morro na rua do norte

Morro com sorte

Morro pelo estado líquido

Morro pelo céu que arrisco

Morro pelo nome que risco

Morro pelo dito não dito

Morro pelos engenheiros

Morro pelos arquitetos

Morro pelos doutores

Morro pelos redatores

Morro pelos editores

Morro pelos professores

Morro pelos usurpadores

Morro pelos pagãos

Morro pelos ateus

Morro pelos subversivos

"Anarquistas, graças a Deus"

Morro pelos índios

Morro pelos homens de raça

Morro pelos amantes na praça

Morro pelos astronautas

Morro pelos homens de ciência

Morro pelos homens de violência

Morro pelos gigantes

Morro pelos pigmeus

Morro pelos fiéis inquisidores

Morro pelos atores

Morro pelos visionários

Morro pelos malditos

Morro pelos vadios

Morro pelos analfabetos

Morro pelos escritores eternos

Morro pelos crônicos

Morro pelos agudos

Morro pelos tenores

Morro pelos noturnos

Morro pelos absurdos

Morro pelos gatos em seus telhados

Inquietos

Morro pelos artistas

Morro pelos cordelistas

Morro pelos esgrimistas

Morro pelos enxadristas

Morro pelos pintores

Morro pelos letristas

Morro pelos nacionais

Morro pelos estrangeiros

Morro pelos calculadores de afeto

Morro pelos idiotas

Morro pelos sincréticos

Morro pelos analistas de sistemas

Morro pelos psicanalistas

E seus teoremas

Morro pelos pássaros

Morro pelos corvos

Morro pelos loucos

Morro pelos estorvos

Morro pelos puristas

Morro pelos transtornos

Morro pelos retratos

Morro por Deus e pelo Diabo

Morro pelo advogado

Morro pelo abstrato

Morro pela falta de trato

Morro pelo excesso

Morro pelo vício

Morro pelo sangue

Morro pelo asfalto

Morro pela piçarra

Morro pela pirraça

Morro pela cachaça

Morro pelo construído

Morro pelo destruído

Morro pelo concreto

Morro pela mulheres de Atenas

Morro pelos homens mecenas

Pelas medusas melenas

Morro pelo atestado de óbito

Morro pelo indigente ócio

Morro por todas as coisas

E por aquelas que ainda tardam

Morro por uma que por todas encobre

Morro pelo mosqueteiro

Que em meu leito dorme

Morro pelos véus dos amantes de Magritte

Morro por Marguerite

Morro pela lenda

Pela contenda

Pela mão benta

Morro pela palavra prenda

Morro pela Paula de Allende

Morro por um pour pourri

Morro pelo vinil esquecido ali

Morro por Salvador Dali

Morro pela palavra que cansa

Morro pela palavra que trava

Morro pela língua descascada

Pela palavra inabitada

Pela tão chamada esperança

Morro pelo que é resquício

Morro pelo cio...

Morro por Astaire em sua dança

Morro pelo pé em carne viva

Pela palavra brisa

Pelo sono da conquista

Morro pela Sé em dia de domingo

Morro pelo choro de Lera de dona Teté

Morro pela falta de fé

Morro por Mallarmé

Morro pela nômade falha

Pela fala imprevista

Morro pela mulher que assume

Morro pelo homem que consome

Morro pela criança que nasce

Morro pela febre sem nome

Pela palavra que rompe

Morro pelo ciúme

Morro pelo coito interrompido

Pela ininterrupta hora

Pela singeleza desta alcova

Por Daniel em sua cova

Morro por uma cicatriz

Por Eurídice alucinada

Por Pagu revoltada

Por Dadá violada

Por Joana queimada

Pela destreza e delicadeza de Diadorim

Morro pela meretriz

Morro pela palavra sim

Pela longa jornada

Pelo jornaleiro

Pelo folhetim

Pela súbita estranheza das coisas

Pela familiaridade de outras...

Começo de mim?

Eu morro é pelo fim...

Izabella Gamellas
Enviado por Izabella Gamellas em 23/05/2005
Reeditado em 23/05/2005
Código do texto: T19048