ESPELHOS
Tenho medo. De quebrar espelhos,
e de me ver como sou: frações anguladas,
lascas cortantes que não se juntam.
Tenho medo de sair à cata dos pedaços maiores,
das frações que, se juntas, demonstrarão
na verdade o que sou.
Tenho medo também de me mirar
num fundo de prata, oval espelho perfeito,
e de acreditar que sou
o que não fui, e nem serei ...
E buscar na distorção do pensamento
a insânia e o risco dos meus reflexos
na superfície da obra antiga,
e de ver que isto sou:
limalha que sobrenada,
à espera do pano da empregada,
e do destino final:
o lixo do esquecimento.