Fim do Túnel

Culpo-me todos os dias

por não ter razões pra me culpar.

Canso de tudo, de todos,

e dos muitos poucos que me compreendem.

Canso de me culpar.

Culpo-me por cansar.

Alheio. Aquém e além.

Tudo, menos o meio termo.

E no intervalo de cada inspiração,

de cada batida cardíaca e

de cada tecla pressionada,

compreendo o porquê de eu estar aqui.

Irremediavelmente vivo, posto que nasci,

mas convictamente desalmado.

Interlúdios viscerais d'um espírito em conflito,

lapsos cadavéricos d'um corpo sem elixir.

Sagrando por dentro, sadio

[vadio

por fora.

Lúdico na arte de amar, mas incapaz de se conter

ao mero badalar de um sinal mundâneo.

É mentira que a verdade não mente.

E percebo isso, no instante entre dois segundos.

Como nunca percebi em todos os instantes

entre todos os segundos

da minha vida.

Agora pecebo. Não há justeza no mundo dos porcos.

Não há certo e errado, principalmente quando a

[prostituição

banalização do caráter é regra e não exceção.

Olho o homenzinho na rua,

ele e sua baguete com gergelim

esacapando por entre os braços finos.

Olho as faces da lua,

sinto o cheiro doce do alecrim

e o coro em uníssono dos hinos.

Vejo tudo. Todos.

Mas nada compreendo.

E percebo isso, meu Deus,

no vão de dois segundos,

no intervalo de cada tecla pressionada,

no levitar de cada ser incorpóreo,

no suspirar de cada amante desgraçado.

No lapso entre o viver e o morrer.

Fernando em Pessoa
Enviado por Fernando em Pessoa em 20/11/2009
Código do texto: T1934396
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