O Convite ao vômito

(desabafo opaco e sem muita noção)

não há glamour em vomitar sangue.

não são os trompetes da vitória mas

, nas ruas,

folhas secas se arrastam ecoando como tambores

surdos.

não há orgulho em sentir, na cabeça,

envelhecimento perpétuo.

cabelos brancos te agarrando pelas pernas

ossos à flor da pele...

não há grandeza em ver uma cidade adormecida

sendo que você está com insônia

e com problemas que não sabe resolver

(as pessoas acham lindo dizer:

"ah, Dalí fazia surrealismo porque tinha insônia! está explicado aquele relógio derretendo" ou: "Wilde sofreu muito no casamento, virou bicha, tormentos inimagináveis na cadeia, e escreveu uma bela obra" e: "que pena, Cazuza morreu". mas NINGUÉM quer sofrer o contorcionismo do artista, só querem ver resultados, ó, mortais mentes capitalistas!)

por isso, não, não há glamour em vomitar sangue!

se não é você que vomita, leitor!

você não é meu igual, nem meu irmão!

você só quer o prazer da arte

às custas da vida dos outros.

você quer o açúcar sem saber

como ele adoçou seu cafézinho BARATO.

não há glamour nesse poema, nem beleza,

não a procure aqui

pois não faço poesia pra ganhar elogios

não, leitor! (embora os ganhe)

EU FAÇO POESIA PRA VIVER!

não há glamour em vomitar sangue.

a morte é uma bela moldura

da qual, no entanto, não preciso

(embora o poeta seja um sujeito sujeito às fatalidades da vida, matéria-miséria finíssima e muito frágil

e o leitor seja uma massa eterna).

afinal, não há glamour no self-service

se à la carte é bem mais romântico

e hoje em dia não existe mais cozinhar;

pois já estou farto do alimento

desse nosso tempo.

barriga cheia de tudo.

vomito, vomito, vomito, aqui vomito o futuro

e quem quiser vomite comigo

mas sem se importar, e sabendo

que não há glamour em vomitar sangue.