DANÇOU, DANÇASTE, DANCEI

Adoro enigmas e tudo o que desperta antigos medos,

mágicas formas e ocultos sortilégios

que povoam o intervalo de ser e estar consciente.

Algo que denuncia o vazio da existência,

como as antigas criptas cobertas de musgos

e nuas cavidades tumulares

que vertem um tempo que passou.

Notei naquela tumba brancas tíbias

espalhadas sobre a terra nua

e à medida em que o tédio aumentava,

com a voz embargada perguntei:

quem foram essas pessoas,

que sonhos embalaram suas vidas?

por acaso amaram e foram a amadas?

Só o silêncio responde essas perguntas,

enquanto a tarde irrompe com sua aragem fria.

Toda a pergunta está num horizonte aberto,

ou se torna semente acorrentada,

não há formas de confrontá-la, de exorcizá-la,

nenhum grito, nenhuma réplica despertará da tumba

quem dorme inerte sem mais desfechos.

Toda a urgência de uma vida já passou

e o que preciso fazer é cobrir esses despojos,

devolvê-los: “Terra à terra, pó ao pó”,

e depois, seguir meus passos para além daqui

Aqui só há morte sem pudor,

despudoradamente nua,

como a circunstância exige.

Um dia, alguém descobrirá em outra tumba,

tuas quimeras que ao léu foram lançadas,

e ninguém saberá das fogueiras que acendestes,

nem dos rasgos de asas e das noites solitárias.

E perguntará também: quem foi o viajante esquecido

que dorme entre as folhas secas do salgueiro?

Sempre é melhor fazer de conta de que tudo tem sentido,

tudo se encaixa numa lógica aristotélica.

Dá até para sorrir e olhar para trás indiferente,

mesmo porque haverá tempo antes de virar semente,

algo que ainda permite surfar na superfície.

Entre as sombras vagueio cambaleante,

caminho sem saber onde ancorar a espera.

Ó Luz Suave varre os fantasmas,

deixa-me dormir no teu regaço

o doce aconchego das promessas.

José Luongo da Silveira
Enviado por José Luongo da Silveira em 17/07/2006
Código do texto: T195712