MENINO DO RIO DO SALSO

O menino do Rio do Salso

pensou que viver

era olhar para sempre

as águas quietas do rio,

e de nada mais precisasse.

Rio de águas claras

vestidas de verde,

ou turvas e barrentas

que serpenteiam

entre maduros seixos,

carregando consigo

nossas procelas interiores.

Com certa cumplicidade

se vai descobrindo,

pouco a pouco,

que o rio fala,

ele também tem suas vozes.

De vez em quando,

sussurra segredos,

acariciando as margens

com profunda ternura

e assume ares solenes,

deslizando bonançoso,

sem nenhuma pressa

de alcançar a sua foz.

E quando chove

se torna brincalhão,

avança galopante,

engolindo hirtas grutas,

feito capelas-de-águas

formadas na correnteza.

E, às vezes canta

num doce murmúrio.

Quando não amanhece buliçoso,

põe-se teimoso,

e se espreguiça,

enjoado da ressaca.

Depois do temporal

da noite anterior,

raivoso se veste

de roupagem escura,

se torna traiçoeiro,

berra, ruge zangado

e se debate contra as pedras

produzindo estrondos

de canhões remotos.

O rio também é atrevido,

faz carícias no corpo inteiro

da mulher amada

e ela, conivente mergulha,

se sacode, se espraia,

rodopia na espelho das água,

desavergonhada se exibe

e mente que o rio é inofensivo.

Nas enseadas calmas

se formam moitas verdes,

onde crescem miudas flores

e algumas gotículas de água

que à leve luz do sol

brilham entre os capins

quais pérolas que flutuam.

Enamorado de seu leito

e dos aguapés que crescem

na superfície das águas,

afaga a vida em profusão:

ramos verdes, musgos,

chorões salgueiros

e as borboletas,

ah! as borboletas

voam a contragosto

sobre nossas cabeças.

Quando eu era criança

já colhi nas tuas beiras

poejo e avenca

para fazer chá.

O rio carrega

as tristezas alheias,

as minhas, as tuas

e as de todo o mundo.

Ensina a ter paciência,

esperar o momento certo,

para apaziguar os conflitos

entre o coração e razão.

Ó rio da minha infância

que brincava contente

com os meus sentidos,

porque não fiquei eu

sempre extasiado

às tuas margens.

Há quanto tempo

não ouço a tua voz!

Banha-me de novo,

lava em tuas lágrimas

a poeira de tantos caminhos,

e conduze-me a teu limbo,

sem alfabeto nem calendário.

Vê, meu coração continua vivo

e basta uma pequena chispa

para se abrir em labaredas.

José Luongo da Silveira
Enviado por José Luongo da Silveira em 18/07/2006
Código do texto: T196292