O Canto Cantado do Uirapuru

Não me alegra

Lugar nenhum

Tudo é comum

Eu vendo a vida

Em preto-e-branco

Tu passando

Sobre um tamanco

Sentindo que és

A coisa mais linda

Mas sou mais eu

Por ser mais franco

Somente o canto

Do Uirapuru

Me alumia o breu

E me causa espanto

Sustento braços

E pernas abertas

Imitando os raios

Da prima estrela

Quando eu morrer

Não quero vela

Não quero flor

Nem quem me leva

Somente o canto

Do Uirapuru

Que é puro amor

E me lava o pranto

E que traz a voz

Que vem da favela

O mundo então pára

E eu danço com ela

Num barco, nus

O povo bom leva

O dia com angu

E com caldo ralo

Da cor do urucum

Qual noite revela

A mais bela estrela

Assim passa vida

Igual brincadeira

E eu nem perdi

O medo de avião

Mas nem tô aí

Pois só me contenta

O canto que ouço

Enquanto asso o pão

Que alimenta dezoito

No fim do azul

No início da noite

Somente o canto

Do Uirapuru

Me alivia a cruz

Dessa vida-açoite

Caco Nemer
Enviado por Caco Nemer em 26/05/2005
Reeditado em 17/07/2005
Código do texto: T19770