PRISIONEIRO DE MIM
“(...) Tristes de nós que trazemos a alma vestida”.
(Fernando Pessoa).
Ficamos todos sem saída,
num lugar intermediário,
presos entre o céu e a terra,
parados à beira da fonte
sem beber de suas águas,
porque não existe nenhuma forma
de romper com o passado
sem o abrigo em outras servidões.
Esse é o desamparo do ser de linguagem,
a palavra é sempre um risco,
e a luta por mudança é continuidade.
Acorrentados em novos laços,
abandonamos uma miragem
para cair no cativeiro de outra.
Se penso, não me aparto do mundo,
faço dentro de uma cultura particular,
todos os meus traços revelam o cansaço
de me sentir preso como sementes a espera,
esquecidas de que o seu destino é ser árvore.
Não existe espanto e nem o “admirar-se”,
no instante em que estou jungido ao passado,
nos meus passos me embaraço
numa rede de signos em que me desfaço,
se dedilho a cadência de uma nova música,
olho para dentro e para fora,
sem ver os segredos desse olhar
e trago a língua nas mãos da palavra,
enquanto inseparável comunicação dos meus grilhões.
Se canto, se choro,
sou como o moinho de vento,
não inauguro nada em lugar nenhum,
pelo contrário, a minha fala nasce do pensar organizado,
preso a conceitos e preconceitos
que surgiram antes de mim.
Nada é tangível
a não ser quando falo comigo mesmo,
sou o monólogo de quem sabe
de que a poesia é a imagem das entranhas
de quem nunca pisou além de seus próprios limites.