JANTAR À LUZ DE VELAS

A luz, em sua arquitetura,

Conserva a ternura quase esmaecida

Como se ousasse dizer à vida

Que o garfo está perto da carne

E a carne perto da boca

E a boca perto de ser comida.

A sombra, em sua anárquica fúria,

esconde o huno em gestos sublimes.

Talvez só um filme revelasse o que está preso

Entre promessa e crime

E entre o negativo e água

Boiasse, revelada, a força do vime.

Os dois, que à luz de vela buscam,

Tocam como esgrimistas a única pista

Que os levarão ao sabor da vida.

Os dois, perfeitos verbos de frases feitas,

Nem sabem do sol e o murmúrio da lua,

Sémens do mesmo pote, únicas receitas.

Como se num toque de especial mágica

O garçon se aproximasse e balbuciasse a fálica

Palavra que a todos cala

e até a quem consente:

A conta, absorta e atrevida,

Espera ser servida

No jantar como se fosse

Soberana e subserviente.

Preto Moreno