A casa abandonada

Pequenas coisas são pequenas coisas,

Simples, emprestadas, dadas noutros tempos, agora tão precisas,

A casa abandonada.

O oiro doutro tempo levado pelo vento,

Não pára. A árvore envelhecida.

Não sei de nada.

Fez-se assim a minha cara, pálida.

A mina procurada, palavra desejada.

Não há, gastou-se levada no ar,

Por outra janela estragada.

As flores, as rosas, os cravos na nova jarra,

Não choram outro tempo, mas não são nada.

As chaves partidas. As rugas enlutadas.

As novas luvas na mesa.

Outras conversas, fazem agora rezas,

As frases desencontradas, neste tempo de nada.

O pátio partido, o jardim começado,

O novo inquilino, inclinado.

Precisava agora daquela varanda, o lago espelhado,

Reflectindo a luz coada pela língua

Construída pelo bairro. Não tenho agora.,

A solidão na casa. Por essa casa já não há nada,

Que foi oiro que reflectia, vivia,

Foi vereda, agora só vala. Um país comprometido.

O muro sem telha.

A voz humana deslavada, na nova casa. Lua,

O que tenho no vidro dos olhos dela,

Esse pintainho que agora vive tão infinito

Como a casa abandonada.

Os retratos guardados nessa outra casa.

Esse cipreste verde, agudo.

Tão grave o meu uivo, um lar sem lar, alugado.

Por entre este vento, na fresta deste frio,

Caminho, como o coelho, branco. Da neve

Já deitada. Olho o campo, aberto.

A mãe não esquecida o meu irmão-filho,

Tão exausta a memória. O portão de verdete pintado.

Faz-se Shalom no Leste. Na nova casa,

Faz-se um chá quente. Na nossa conversa na cidade,

Não se sabe o que se soube. O velho agora não presta.

Toda molhada esta dor recente,

Não encontro nova luz no novo belo,

Um soberbo pinheiro,

Que se ergue como uma asa,

Tudo cheira a novo dinheiro,

Não tem os ratos sábios dela.

A longa triste inútil agora, a casa,

A casa por todos abandonada.

Constantino Alves , Lisboa, Julho de 2006

Constantino Mendes Alves
Enviado por Constantino Mendes Alves em 27/07/2006
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