Anoitecer no verão
Dezenove horas
já não se quer ser,
simplesmente se é
em seguida, ouvimos o vento
o barulho do mar na areia
ou a lembrança da infância.
O corpo
retornará para a doçura
de apenas um nome ou imagem.
Um ventre.
Entre os dias, o seu reverso
lá como uma droga perversa
ou as janelas como chamas,
o que queimar mais.
Mãos erguidas
a apontar coisas
olhos lacrimosos
que enfrentam a sua imagem.
A respiração do efêmero
alguns segundos ou décimos
sombras, fantasmas.
Ligeiramente
sódio misturado com o azul
caindo no esquecimento
A noite é como a água:
Nós esperamos, nós não vemos.
Vinte horas
Agora
entendemos que a luz
está suspensa.
Agora há
o intercâmbio dentro e fora
sem privilégios.
Vivemos
também nas folhas,
e paredes. No espaço
para fecundar um outro filho
uma textura impalpável.
As portas nunca mais se abrirão
protegendo o vai-e-vem dos corpos.
O cricrilar dos grilos
bombardeando o quarto na penumbra
onde pecadores oram
esperando seguir adiante.
Temos de voltar para o céu
que é o que era melhor
uma tela:
o púrpura cruza o azul
a sombra da sombra, luz brilhante.
É hora do interlúdio.
Vinte e uma horas
Quando o dia tenta tirar
a doçura dos bafejos do ar
apaga-se tudo.
Esquecemos do tempo.
As árvores são tinta de seus ramos.
Dentro da cabeça
vozes falam e se extinguem
O Paraíso
torna-se muito próximo: uma brasa
entre as folhas.
Ninguém sabe
sobre o que vem ou vai.
Tudo se aposenta
e em sua sombra desaparece.
O momento é um reflexo.
Ela (a noite) permanece em sua clareza
mostrando apenas o suficiente
do corpo
de modo a não se perder de vez
O que vemos, nós esquecemos.
A boca abre e fecha.
A conta está feita.
Pouco rende-se um pouco
com delícias no meio.
Vinte e duas horas
Dez horas. Cães latindo
como se ouvissem
o silêncio abrupto.
Como se levantando da terra
A voz violenta
e desesperada de peças mal ensaiadas:
É a noite.
De vez em quando
eles são silenciosos, e é incompreensivelmente
ficam piscando mudos
cantarolando outras bocas,
algo como
lábios entreabertos, as palavras
sem acompanhamento de melodia
E então os gritos começam.
Eles dizem que os dentes do tempo,
o negrume começou a brilhar,
uma negociação obscura
raízes e as trevas,
colisão invisível
entre estrelas e carvão.