A Casa abandonada VI Velho vento

Já tão longa esta história, mais velha que o homem,

Quando começou a tocar o vento.

Havia na rua, de tempos a tempos

Um assobio de um amolador,

De tempos a tempos, fazendo mais dia,

Era um silvo gigante como a tempestade de vento,

Que fazia o mundo grande, de tão mágico.

Como posso ouvir música agora, de repente,

Na casa nova fechada, hermética por dentro,

Alma sempre bonita, de sorriso mais ou menos plástico,

Retalhada de autocarro ou de eléctrico.

Ainda dou o peito no mar, os cabelos ao vento,

Neste novo extraordinário, exacto, tão cómodo.

Mas a dor da dor do que foi dentro, e Do que

Fez o firmamento, só nunca isso se perceberá,

E se repercutirá no vento

E a casa abandonada será.

Tão velhos para deixar o vento, não sentir falta

Da melopeia inicial,

Ver teatro real, sentir o diferente, sentir Caligrafia

No verbo, saltar em tabuada o ferro.

Fica mais barata, sem catavento, pode pôr parabólica.

Também nem tudo se pode ter, um dente a doer,

Ai que falta me faz o cachecol, o nariz frio,

Sorrir no impreciso.

Esta mudança, tanta matança, a selvagem mutação,

Corre-se o mundo, sem regra de lés a lés.

Não se espera nada de quem há tanto tempo manda,

Que se aprende na escola, que se faz por ambição,

Que se apanha de repente, basta ser pensante e

Ser precisamente.

Que se deixe o vento passar, que as aranhas levem as teias,

Que se faça água outra vez no mar,

Os terríveis rinocerontes, com o Ionesco a cantar.

O meu amigo abriu a nova janela, não ficou preso na guilhotina,

Amandou-se pró ar. Morreu recordando no último momento

A casa que ele mudou de lugar.

Depois, fez uma brisa

Que me lembrou e me fez chorar,

Era mais um amigo, um vento,

Tão antigo como amigo,

O Velho vento, o tal.

Constantino Mendes Alves
Enviado por Constantino Mendes Alves em 30/07/2006
Código do texto: T205480