Aos Nascidos em 1979

I

Um quarto de século,

e já cansado demais para o resto dessa vida ,

visto um terno fúnebre,

emprestado pelo vampiro que me serve de guia

completo o disfarce com um cravo na lapela

pelas esquinas, bueiros, ruelas, becos

bem-vindos ao primeiro círculo infernal .

O cortejo da vida continua

incólume,

às seis na Sete de Setembro,

aprecio o crepúsculo árido.

A procissão das baratas

me acompanha torcendo pela minha desgraça.

Eu tenho repulsa àqueles

que não fazem parte da escória.

Passeio incompreendido em

meio aos esquecidos.

Tropeçando, fôlego

hesitante, errante

entre as rimas inúteis

variações do vazio da poesia.

Sem graça a boca calada

ainda engulo seco orgulho

arranha a garganta.

As damas da Visconde

me oferecem a única coisa que possuem

dividimos a cachaça mais barata e viscosa,

eu lhes homenageio de joelhos no terreno baldio.

Do fundo do coração

não me bastam as vísceras

artérias, veias, pulmão,

intestino grosso, delgado,

pêlos, excrementos,

evacuar,

fezes, urina, pus, saliva,

ejacular

sangue, lágrimas, suor, esperma,

verter, entorpecer,

éter, arsênico

aguçar o paladar.

Sobrevivi ao primeiro amor,

esqueci-me do segundo,

arrependi-me do terceiro ,

apaixonei-me pela filha do Senhor dos Ventos .

Procuro alguma coisa: um emprego,

uma mulher,

um partido.

A navalha coça em minhas mãos, jugular ansiosa

a falta de coragem me faz deixar a navalha

de presente pro mendigo

que esmola na esquina das marechais

e gasta centavos num cigarro solto

penso em lhe pedir um trago.

Coloco as mãos nos bolsos,

versos escritos num papel de pão, em

guardanapos engordurados

uma pequena obra-prima.

Vende-se pornografia para todos os gostos

e ouvidos menos sofisticados:

louras, ruivas, morenas,

pernas, seios, bundas.

Ó Deus, perdoai todos os onanistas!

O vampiro me adverte,

em Curitiba a morte não é séria ,

veja o que fizeram do bandido que sabia latim

nome de monumento, palestra, celebração,

edição comemorativa.

A cidade surreal

habitada por vampiros, santas de cemitério e cafetões ,

no calçadão da XV de novembro

sob o sol pálido das eternas tardes de inverno

segue a multidão funesta

até desembocar na Luiz Xavier

os infelizes que tiveram o azar de padecer em Curitiba

não fora castigo suficiente viver na capital da província .

Caminho a seu lado,

tomado pelo sentimento de vigilânsia ,

violência digital – calculada em 8 dígitos.

Desejo pelas vitrines das lojas,

mato a sede no chafariz

enquanto os punks esperam

pela última sessão de cinema

ao lado de toda sorte

de loucos varridos e artistas da fome.

Recuso os panfletos apócrifos dos trotskistas,

ouço o coro natalino do Palácio

as crianças à salvo do sentimento de culpa cristã

das velhas católicas.

As vozes dos justos, dos demagogos e dos aguerridos já foi silenciada ,

os jornais publicam seus atestados de óbito.

A multidão enfim dispersa pelas ruelas

seguindo a procissão das baratas.

O relógio da Boca marca implacável :

é sempre a mesma hora em Curitiba

espero impaciente,

impotente, inconsistente,

corrosivo, ácido,

subversivo, feroz,

flácido, patético.

Os velhos cavaleiros cansados contam apenas

com a compaixão dos michês da Osório,

eu permaneço,

nu exposto ao próprio ridículo

o estúpido, o real, o irreal?

não preciso me preocupar,

eu não deixo pegadas,

todas as viagens,

todas as cidades,

Brasília, São Paulo, Porto Alegre,

um dia quiçá

Nova York

mas é sempre Curitiba,

o mesmo vento cortando a cara,

o mesmo cheiro de chuva,

o mesmo pesadelo,

tua maldição Curitiba,

amar-te à distância.

Da calçada,

aceno para aquele que observa

da janela a tabacaria do outro lado da rua,

inútil pensar, sonhar

já abandonei a metafísica e todas as ciências,

melhor é andar,

o resto é melancolia .

A menina que come chocolates

sentada no meio-fio

excita o velho russo

cego pela própria inocência,

não será a virgindade a mais doce de todas as perversões?

Autografei o livro dos dias,

que me foi enviado pelas mãos do mensageiro

da ordem secreta dos procrastinadores alados.

Visitamos o oráculo da cabeça do minotauro

fomos recebidos pelos sacerdotes de todos os templos pagãos

dos subterrâneos dos cortiços da Barão.

Os séculos dos séculos,

Amém.

II

Meu caro desconhecido,

permita-me chamar-te de amigo,

e confortar-te-ei .

Toma um gole do meu refrigerante dietético,

e cospe fora essa cachaça cheirando a puteiro barato.

Conforma-te em ter nascido no limiar das eras,

com toda cultura inútil que possuis,

os amores de sitcom

a masturbação via-satélite

o sexo fast-food

o sanduíche de plástico.

Lamento por tuas horas perdidas,

juntamente das diversas décadas desperdiçadas,

as listas dos dez mais,

os editoriais econômicos,

os planos Cruzado, Collor e Real.

Não ouvirás os causos de Guimarães Rosa,

nem lerás os poemas de João Cabral,

e muito menos entenderá

os filmes de Fellini.

Compra um pacote pay-per-view

de reprises dos anos 80,

assume tua mediocridade,

e escreve com teu vocabulário limitado.

Esqueça os grandes amores, afinal de contas,

tuas contas estavam todas erradas;

e teus olhos também poderiam estar.

Resgata as promissórias das mãos dos agiotas,

tua alma das mãos do Diabo,

e o teu coração das mãos da última das mulheres.

Acalma-te, já inventaram

o viagra, o prozac,

o manual de instruções

e a vagina vibratória.

Reconheça,

não viste Lênin descendo na Estação Finlândia,

Trotski esperando seu algoz no México,

ou ainda,

Stálin dizimar seus inimigos contra a

parede.

Não brincaste nos escombros do muro,

Mas ao menos dançaste tango pelos salões da América Latina.

Subverte a ordem das coisas,

rouba as estrelas do céu,

impeça o eclipse solar.

Aceitas o el niño, o genocídio, a proletarização e a mortalidade infantil

porque não podes, sozinho, inverter a ordem do capital .

Não há mais filosofias para abraçar o mundo,

a política agoniza por toda parte,

a única coisa séria nesses dias é a pornografia .

Já decoraste as falas do Fausto, do Cristo, da Dama do Lotação,

sede agora profano, insensato,

mas sobretudo,

sede pornográfico.

Abole dos teus versos toda métrica,

qualquer vestígio de coerência,

abandona de vez a redondilha maior.

O cinismo já substituiu a hipocrisia,

podes ser promiscuo sem defender a liberação sexual,

deixai isso para os virgens.

Nunca fomos tão

politicamente corretos,

tolerantes e broxas.

Não tens a praia,

e conseqüentemente,

a visão dos corpos nus ali na areia ou no calçadão,

nasceste no vale das araucárias

habitas a cidade das quatro estações.

Dormes debaixo das marquises

o sono tranqüilo dos pecadores,

cobre-te com as manchetes da seção policial,

estarás a salvo de teus inimigos,

juntamente de teus companheiros de infortúnio.

Devolves os livros que roubaste na biblioteca.

Canta as tuas desgraças aos poetas mais jovens.

Interrompe o sono das tuas musas com teus sonhos obscenos.

Os conselhos são tão descartáveis nesses dias,

quanto uma camisinha,

um boquete no passeio público,

em plena tarde de sol.

Somente não são mais descartáveis que a felicidade,

em tempos de www.solid@o.com.brrrrrrr....

Luiz Belmiro
Enviado por Luiz Belmiro em 30/07/2006
Código do texto: T205622