A Casa abandonada VIII Nau portuguesa encontrada no estreito de Malaca
1563
Há muito tempo tinha-o. Fazia o que queria dele.
Navegava em sonhos malabares em cima de
Cadeiras no pátio.
Brincava-se às guerras, sofria-se bruto, conquistava-se,
Os povos, as novas planícies, as meninas de outras escolas
Descobria-se, terras e o próprio sexo.
Enfolava-se as velas, com a coragem no peito,
Ou autodeterminação, autonomia, quando se aprendiam as
Palavras. Fazia-se de Camões na aventura poética das orações.
Começava-se um país pela ambição, e havia esse tempo,
Que há agora, mas no olvido do sonho utopia. E também no supermercado.
Padrões, arquétipos morais, sem se saber a liberdade, o estudo ambiental.
Sofria-se, onde agora só me resta isso num bolsinho do coração,
Antígona é outro tempo, é a minha filha contente,
Nos mapas dos mares do Ocidente. Com tanta inquietação,
Com Florbela Espanca na canção.
Ao leme, a bombordo do verso livre, na amizade.
Descobrir, como se pode ser melhor, fazer mais.
Abrir Siza Vieira, esquartejar Jorge Sena, convidar Cesariny para a ceia.
Desligar a televisão, ouvir o eco na rádio, saber que há mais montanha que o rato,
Moisés na Alice Vieira, Cavaco na Paula Rego, sorrir a reforma
Como um sonho, trabalhar.
De facto já não preciso da casa,
também talvez por estar abandonada,
e não haver cadeiras para sentar. Mas
porque gosto deste lar, luar.
Depois de tanta circum navegação é tempo
De ancorar,
E descobrir,
A nau há muito afundada.