A Casa abandonada VIII Nau portuguesa encontrada no estreito de Malaca

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Há muito tempo tinha-o. Fazia o que queria dele.

Navegava em sonhos malabares em cima de

Cadeiras no pátio.

Brincava-se às guerras, sofria-se bruto, conquistava-se,

Os povos, as novas planícies, as meninas de outras escolas

Descobria-se, terras e o próprio sexo.

Enfolava-se as velas, com a coragem no peito,

Ou autodeterminação, autonomia, quando se aprendiam as

Palavras. Fazia-se de Camões na aventura poética das orações.

Começava-se um país pela ambição, e havia esse tempo,

Que há agora, mas no olvido do sonho utopia. E também no supermercado.

Padrões, arquétipos morais, sem se saber a liberdade, o estudo ambiental.

Sofria-se, onde agora só me resta isso num bolsinho do coração,

Antígona é outro tempo, é a minha filha contente,

Nos mapas dos mares do Ocidente. Com tanta inquietação,

Com Florbela Espanca na canção.

Ao leme, a bombordo do verso livre, na amizade.

Descobrir, como se pode ser melhor, fazer mais.

Abrir Siza Vieira, esquartejar Jorge Sena, convidar Cesariny para a ceia.

Desligar a televisão, ouvir o eco na rádio, saber que há mais montanha que o rato,

Moisés na Alice Vieira, Cavaco na Paula Rego, sorrir a reforma

Como um sonho, trabalhar.

De facto já não preciso da casa,

também talvez por estar abandonada,

e não haver cadeiras para sentar. Mas

porque gosto deste lar, luar.

Depois de tanta circum navegação é tempo

De ancorar,

E descobrir,

A nau há muito afundada.

Constantino Mendes Alves
Enviado por Constantino Mendes Alves em 31/07/2006
Reeditado em 31/07/2006
Código do texto: T205796