QUE TE DIREI EU, MEU FILHO?

Não sei se haverá tempo

de apaziguar a memória,

em que tudo possa ser dito?

Algo como a pintura

que o artista corrige a cor,

a espessura dos traçados,

e a assimetria das formas,

pois, o que resta de nós mesmos

senão a sensação de espíritos livres?

Tempo e cuidado

permeiam este momento,

porque há coisas que depois de ditas

cortam como o fio da espada.

E aonde e quando se pode achar

o ponto de equilíbrio,

o contra-peso que estabelece

a unidade de medida exata,

em que universo ela se esconde?

Vejo que das antigas crenças

te afastaste com desdém,

sempre mais e a passos largos.

Por acaso pensas que o salto no nada

é morrer tão completamente

como trincar figos que maturam?

Tudo o que renegas hoje

já arrebatou a tua infância,

até mesmo a saga dos índios,

quando nos tornamos fugitivos,

acossados por guerreiros.

Sei que lembras da flecha certeira

que transpassou o pobre cão,

enquanto galopávamos ao vento.

A força que agora esbofeteias

é a mesma que conforta na velhice.

Talvez sejam disfarces apaziguadores

quando não se deixa cair

completamente a máscara

e se tropeça no degrau da escada

que não leva a lugar nenhum.

Neste exato momento fenecem

de tédio o mito do herói e vítima,

sentimentos que tentam mascarar

os descompassos da vida

Agora me aproximo da estação

em que os lavradores ceifam

na eira os grãos maduros,

lançando ao fogo as ramas.

O sonho mais recôndito

sempre será a colheita,

tanto das palavras não ditas

como a dos dardos laçados

na curva do caminho.

A perspectiva do declínio de um

é a medida da ascensão do outro,

tudo se passa como que na fábula:

a descrição da sorte estóica

de quem ousa ultrapassar limites.

Contudo, agora nasce em mim

um estado instintivo, dionísico,

que depois se agarra à dialética

e se corporifica nos conceitos

que vêm da algazarra dos abutres

e que fazem fraco o que por certo é forte.

Que te direi eu, meu filho?

a não ser que convém trazer

o velo de ouro antes do meio-dia,

porque no céu poenta vagueiam

horrendas aves agourentas

e o ultimo alvo é a ira do deserto.

Muito cuidado com a audácia

dos que tecem novos caminhos

para cruzar a bandeja da vida.

De resto, não sei dizer a um homem,

mesmo que seja meu filho,

que ele superou toda a expectação,

agora já disse - fraco me confesso.

José Luongo da Silveira
Enviado por José Luongo da Silveira em 01/08/2006
Código do texto: T207160