Lambendo as patas - Claude Bloc - Esticou-se na varanda a tarde toda e assim ficamos eu e ele cada um em seu canto entre os rompantes do sol e o gosto salgado da brisa... Ri sozinha. Pela minha mente frases inteiras borbulhavam, mas havia indiferença naquele olhar (des)atento quase risonho. Pairava nesses olhos uma dormência felina que estremecia com o esticar desajeitado das pernas com o lamber quase constante das patas deixando-me entrever o corte harmonioso daquela boca dentada. Senti-me nessa hora absolutamente dispensável . E assim, passou a tarde. Dias achatados como o de hoje fizeram fila na minha frente: pressupostos da vida mudanças de lugar levando meu sonho junto a essa madorra pelos corredores silenciosos do meu pensamento. A tarde me fazia criança ( ir)refletida nesse universo onde caminha a minha humanidade onde aporta a calmaria intensa desta casa. Aqui vozes não se tocam. São um logro. Então, farejo como ele uma noite tão igual por dentro ao som e aos gestos de uma saudade sem limite. Resisto. Às vezes o pensamento pára. Sou como esse animal lambendo as patas: abro os braços em toda a extensão do espaço recolho nas mãos a cor da noite... Aquieto-me. Texto e foto por Claude Bloc