O PODER DA PALAVRA

“... e se achar que falo escuro não mo tache, porque o tempo anda carregado; acenda uma candeia no entendimento”. (Osvald de Andrade, in: Memórias Sentimentais de João Miramar).

A palavra se fez presença

no diagrama das formas

e deu origem a todas as coisas.

Iluminou o caos primeiro,

onde antes havia trevas e escuridão

e o tempo dividiu os instantes,

nasceu o ritmo e massas em movimento.

Rompeu o véu-de-idéias

e povoaram-se as esferas,

chegou a vida e a consciência,

a sombra e a luz,

o bem e o mal:

a ciência dos opostos.

Até hoje, desde a reza das aldeias,

uma coisa só existe se ela é dita,

se atravessa o velo do mistério

que toma o nosso entendimento

e aguarda por uma manifestação.

As palavras nunca voltam vazias,

mesmo quando expressam coisas vãs,

elas vêm carregadas de um sentimento

que ultrapassa a nossa compreensão.

Nenhuma palavra se perde,

da doçura dos amantes

ao murmúrio dos crentes

e é na voz de cada criança

que se renova o sentido da vida.

Fico me perguntando,

para onde irão as palavras não ditas,

os sentimentos reprimidos,

por acaso, se amontoam no inconsciente coletivo

e vão moldar as lembranças que compartilhamos?

Dizer a palavra é invocar o ser,

e todos os poderes que jazem

adormecidos como que despertam

e nem ao menos sabemos discernir

se é o temporal que se avizinha

ou algo que foi dito tem o dom

de criar a centelha que ilumina.

Os sons da terra estão presentes

na palavra que se disfarça de muitas formas:

no murmúrio das águas em movimento,

no balouçar das folhas ao soprar do vento,

no canto da gaivota que desata o vôo e foge,

nos lobos uivando para a lua à distância

e na onda que se quebra na praia deserta.

Dizem que outrora todas as palavras

foram divididas entre Deus e o diabo:

vêm das profundezas as que atiçam a cólera,

açoitando a esperança do coração dos homens

e as demais, que dançam ao ritmo dos nossos desejos

mais legítimos, nasceram por certo da divina mão.

Que a língua do insensato, mais terrível que a espada,

não profira palavras que condenam,

fazem adoecer e produzem a morte

e que só os lábios da mulher amada desperte com devoção,

toda a força que se esconde no bramir do mar.

José Luongo da Silveira
Enviado por José Luongo da Silveira em 06/08/2006
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