Eu me comí

Eu me comí e a indigestão foi tamanha que por todos os buracos possíveis tentei descartar minha própria sujeira. Esvaziei até o útero que não tinha, mas o que sobrou foi apenas alguma coisa vazia, que na verdade parecia ser nada. Mesmo tendo me ejetado, ainda me sentí, algo como uma massa sem forma, prostada ao chão.

Eu me comí na esperança de desaparecer e separar de vez aquilo que já estava fragmentado, mas apesar da tentativa continuei a existir, a sobreviver, sem viver. Inútil, nojento, vil e indigesto, eu tentei me jogar bem longe onde não pudesse me encontrar, em qualquer lixão por aí,em qualquer privada ou bueiro, mas percebí que ao tentar me cagar, não conseguia me livrar de mim mesmo, sequer por um segundo, que aflição sentí. Enquanto mais tentava me limpar, mais sujo me tornava, enquanto mais tentava escapar, mais perseguido me sentia, enquanto mais fechava meus olhos, menos podia enxergar e os fantasmas sempre descobriam meus esconderijos.

Eu me vomitei, me mijei, me cuspí, me escarrei, tudo com um único propósito, me livrar do meu maior adversário, eu mesmo. Tanto esforço, tanta ira, tanta força contrária contra minha própria vida, mas tudo isso de nada adiantou, essa merda não saiu de mim, por mais que a despreza-se, ela e eu éramos e somos partes inseparáveis de um único Ser. Mesmo sendo a merda, comendo a merda, defecando a merda, aprendí uma coisa fundamental, toda essa merda vai e volta e querendo ou não somos parte dela, portanto, enfrentar os efeitos para fugir das causas é indolência. O que nos faz ser o que somos é aquilo que pensamos, acreditar que simplesmente podemos puxar a descarga e eliminarmos o que pensamos, continuando a pensar, é a pior das ilusões...