Brilhos pela Vidraça

                               (ao meu querido Pai)

A mais profunda dor resvala
Derrete, inundando o ser feito lava,
Escorrendo pelas veias,
Pele, pulsos e coração...

Clarões verdes, borrões negros,
Visões turvas, vultos se vão...
Seres gesticulam e, em torno, giram.
Muitos brilhos, a vidraça espelha...

Espalham-se no ar...
Cheiros fortes, quentes vapores...

Os olhos nada veem,
Só no coração a batida...

Descompassada. O pulso salta...
Na veia intumescida,
No peito endurecido,
O respirar sofrido, a agonia da dor...

Fraqueja o sonho...
Derradeiro de toda uma vida...

A sonda suga o suor,
Suga o sangue escorrido,
Suga a voz,
Que as gentes ouviam...

No delírio da dor,
Ele vê seus filhos,
Vê a si mesmo menino...
Nos idos tão longínquos...

Ele diria mil coisas...se pudesse
Faria um longo discurso,
Desataria todos os nós,
Agora, presos na garganta...

Mas... já se faz noite
De um gelado inverno.
Já se faz silêncio,
Na alma de meu grande pai.