Canto de solidão

Hoje olhei para meu próprio olhar,

nele vi os lamentos que até então não me permiti

por não ter parado para ver como eu mesmo me encontrava...

Então me tomei de súbita perplexidade

posto que ali estava um ser desconhecido e só,

bem diferente do perfil que um dia desenhei,

absolutamente ao revés das alegrias dantes demonstradas ...

Senti nas faces uma dor resignada, quase serena

como se lágrimas rolassem quentes alma adentro...

E autorizei-me um traço do egoísmo de poder sofrer

atormentado pelas injustificadas dores meramente sentimentais...

Senti a noite adentrando e formulando um céu sem lume

deixei-me levar, embora forte, embora doce, embora eu,

não vi chaves que me pudessem libertar do que senti...

É que não imaginei experimentar tamanha tristeza

antes de experimentar revolucionários contentamentos...

E o gosto que me restou foi tão intenso quanto sutil,

miscelânea das dúvidas que ali condenaram, implacáveis,

furtando argutas respostas eternamente impalpáveis,

delatando os pedaços desencaixados desta vida,

tal que nunca me bastou, porque dela não me completei...

Por isso sondou-me este canto em desarmonia,

compassos acéfalos, contracantos desafinados,

arranjos desentoados a tragar-me os ouvidos nus

e essa vontade de ir embora de mim, voar para o nada,

fugir desse acorde dissonante que ensurdece,

dor apavorante que presenciei da visão do marejante olhar,

fraquezas que outrora nunca me permiti...

Portanto esta melodia a se impor em solo voraz e medonho,

sinfonia nos tablados do inquieto e inconformado existir,

elegeu esta voz rouca, inexpressiva e sem descanso

pra este canto de ser só, de não partir nem de ficar,

feito arranjo inacabado, inesperado, sem autor,

e eleito curvo-me às notas que se impõem sem piedade

no esforço de expressar o que é sentir a lancinante solidão.

Nalva
Enviado por Nalva em 15/08/2006
Código do texto: T216763
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