Canto de solidão
Hoje olhei para meu próprio olhar,
nele vi os lamentos que até então não me permiti
por não ter parado para ver como eu mesmo me encontrava...
Então me tomei de súbita perplexidade
posto que ali estava um ser desconhecido e só,
bem diferente do perfil que um dia desenhei,
absolutamente ao revés das alegrias dantes demonstradas ...
Senti nas faces uma dor resignada, quase serena
como se lágrimas rolassem quentes alma adentro...
E autorizei-me um traço do egoísmo de poder sofrer
atormentado pelas injustificadas dores meramente sentimentais...
Senti a noite adentrando e formulando um céu sem lume
deixei-me levar, embora forte, embora doce, embora eu,
não vi chaves que me pudessem libertar do que senti...
É que não imaginei experimentar tamanha tristeza
antes de experimentar revolucionários contentamentos...
E o gosto que me restou foi tão intenso quanto sutil,
miscelânea das dúvidas que ali condenaram, implacáveis,
furtando argutas respostas eternamente impalpáveis,
delatando os pedaços desencaixados desta vida,
tal que nunca me bastou, porque dela não me completei...
Por isso sondou-me este canto em desarmonia,
compassos acéfalos, contracantos desafinados,
arranjos desentoados a tragar-me os ouvidos nus
e essa vontade de ir embora de mim, voar para o nada,
fugir desse acorde dissonante que ensurdece,
dor apavorante que presenciei da visão do marejante olhar,
fraquezas que outrora nunca me permiti...
Portanto esta melodia a se impor em solo voraz e medonho,
sinfonia nos tablados do inquieto e inconformado existir,
elegeu esta voz rouca, inexpressiva e sem descanso
pra este canto de ser só, de não partir nem de ficar,
feito arranjo inacabado, inesperado, sem autor,
e eleito curvo-me às notas que se impõem sem piedade
no esforço de expressar o que é sentir a lancinante solidão.