O ENTREGADOR DE PACOTE

Entrega na esquina um quilo de algo.

No ônibus lotado se entrega a um destino programado.

Entrega a vida através de um pacote.

Através do asfalto, vê seu destino

Mastigando algum aviso.

Através da vida, vê uma estrada descongelada.

A lembrança dança com ele uma valsa de entrega.

É uma vida que some num desmanchar de sonhos roubados.

Seu destino emprestado da sorte

Espia no front banguela do existível

Algum vôo emergencial, para que possa entregar

A si mesmo um sorriso.

O entregador de pacote embrulha a alegria

Como quem se despede sem se doer na despedida.

É áspero sem se sentir frio e pétreo.

Sua função não exige temperatura.

Apenas pernas e entregas. Braços e entregas.

Mulheres suspiram nos jardins.

Homens conspiram nos escritórios.

Meninos respiram no parque.

Ele entrega pacote.

Suspira entrega.

Conspira entrega.

Respira entrega.

Leva a vida num pacote.

A labuta degola seu último centavo de suor.

Seu rosto desbrilha frente a um sol experiente.

- A vida espera a entrega, entregador!

- A morte não pode chegar sem o aviso, entregador!

 

Os convites e bilhetes de intimação

Tocam piano em sua encomenda.

Papéis se reescrevem sozinhos.

Durante o caminho, projetos derrubados conseguem se reerguer.

O entregador entrega um dos olhos durante a tarde.

O sorriso, ele sonhou entregar a uma bela.

Mas a moldura dos lábios se desfez no caminho.

Precisa de amor, mas o amor não chega

Sem ter sido enviado.

O entregador de pacote sente solidão,

Mas custa perceber como se sente corretamente.

É inaprendiz de sensações.

A vida roleta suas principais pretensões.

Seu beijo que molharia a alma da menina

Foi adiado para a próxima inspiração.

Seu orgulho dilatado pela carne

Moveu-se para o ritmo vazio do esquecimento.

Reguardou seu melhor caminhado

Para depois da última entrega.

Entrega destinos nas mãos de quem precisa.

Entrega-se a um rumo onde se espalha esperas.

Sonha. Mas com uma tesoura guardada na camada do sonho.

Vive. Mas com um relógio cravado na parte íntima do coração.

Morre. Mas com um destino esquecido

Na sua sacola de entregador.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 01/04/2010
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