OS CÃES E EU (1- Rick)
 
Na minha mente essas histórias estão vivas como se tivessem acontecido há pouco tempo, mas as mais marcantes são bem antigas.
Estou beirando os sessenta, e desde os cinco, sempre tivemos pelo menos um cão em casa. O cachorro sempre escolhe o dono, e dessa forma, eu e minha irmã Iara (dois anos mais velha) “dividíamos” o mesmo cão, sem, no entanto, machucá-lo, mas brigávamos pela “posse.” Foi meu tio Renato que nos deu de presente.
Quando a briga transparecia e fazíamos mais barulho que o rádio de ondas médias na Record, minha mãe logo falava: “Eu vou dar sumiço nesse cachorrinho, aí vocês vão parar de brigar.”
Sei que de tanta disputa, o coitado foi parar no quintal, preso com um couro velho, meio esfiapado, que não deveria medir nem um metro, se bem me lembro.
Minha irmã, cheia de ardis, logo foi para o quarto, encostando sua mesinha de fazer lições debaixo da janela, pois assim tinha o Rick sob visão direta, para não deixar o coitadinho em paz, leia-se, sentadinho a meu lado, pois eu ficava sempre no balanço que havia no quintal, pertinho de onde se amarrava o couro esfarrapado que prendia o Rick.
Assim, comecei a observar a situação e tive uma idéia que não me havia ocorrido antes. Após o jantar, com meu pai e minha mãe vendo os primórdios da TV do Brasil, a TV Tupi, canal 3, com Eva Wilma E Jonny Herbert no Alô Doçura, e com minha irmã tendo ido dormir,aproveitei a oportunidade e passei em direção à cozinha, subi na pia, alcancei uma lata no armário, peguei um pouco de açúcar e coloquei a lata no lugar. Abri a porta que dava para o quintal e o Rick começou a latir, e pensei que ele iria estragar tudo... Fiz SHHHHHH! E ele parou. Cheguei com o açúcar e esfreguei no couro esfarrapado que o prendia, e ajudei a espalhar com um pouco de água.
O “plano” estava dando certo, pois os dentinhos afiados do Rick esfiapavam cada vez mais o courinho que o limitava. E eu, mais ou menos longe, chamava-o mostrando o fundinho de açúcar que ainda havia no copo, e assim ele dava uns tranquinhos no couro até que... o couro rebentou, e o Rick veio com tudo para cima de mim, entrou na cozinha e começou a latir.
Dei azar. Peguei justo a hora do intervalo da TV. Meu pai e minha mãe chegaram para ver o que tinha se passado.
“-... é que ele gosta muito de mim, e a Iara ficou o dia inteiro com ele, e ele, de saudades, arrebentou a corda e veio ficar aqui comigo... eu abri a porta porque ele estava choramingando...”
Minha mãe então falou:
“-Fique um pouquinho com ele na sala, depois eu o colocarei no quintal.”
Naquela época se dormia cedo, e logo dormi no sofá, e o cachorrinho no chão, ao meu lado.
Minha mãe colocou o Rick no quintal. Era perto do Natal, fazia um calorão... A certas horas, eu acordei com os latidos do Rick. Pé ante pé fui ao quintal, sentei no balanço e peguei o Rick no colo. Aí dormimos, e acordei com o galo cantando e os primeiros raios de sol. Entrei e estava a meio-caminho quando meu pai me pegou pelo braço:
“-Onde você vai, mocinho?”  Com cara de bravo...
Vou para o quarto, papai, eu fui fazer xixi...
Mais tarde acordei com minha mãe reclamando...
“-Meu Deus do céu, de onde vem tanta formiga nesta casa???”
 


       

José Carlos De Gonzalez
Enviado por José Carlos De Gonzalez em 26/04/2010
Reeditado em 26/04/2010
Código do texto: T2220864
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