Flores de 1971

Essa poesia é dedicada ao meu Pai, pois ontem, brincando de ver fotografia, vi uma foto que ele tirou em 71 quando fez um curso com uma máquina bacana; é um jardim de margaridas brancas, mas na foto só aparecem as flores.

Na margem da foto ele escreveu a data e no verso a máquina que usou, o filme, a asa, etc...

E eu fiquei com a imagem na cabeça me perturbando... sonhei com o jardim de noite...

E decidi prender meus fantasmas no papel.

-------------------------------------------------

Flores de 1971

Na casta permanente de vitalícias odes

perecem as pétalas das flores na fotografia

e no verso uma nota breve de um punho ligeiro e leve

a gotejar seus desejos, futuros anseios de cimentar a estrada.

Ao imigrante a esperança de seguir sem ressalva.

Na retina trago a marca das margaridas em pose altiva para o artista,

trago também o indelével carimbo da correia

cravado nas coxas de moleca,

joelho grosso do asfalto novo.

Tudo é novo nessa cidade, menos a ilusão de sermos iguais.

Ao tempo a marca do sagrado e a certeza de me fazer livre.

Liberto o peito, aberto o ventre,

rebento ao mundo a condição de imigrante a quem é nativo

e as cores das flores na fotografia esmaecem ao largo.

Teimosia em querer ser vanguarda de um tempo arcaico,

catolaico,

onde tudo é descrença e fé.

O punho ligeiro pegou o bonde e assentou-se na janela,

caminhos pavimentados, sem picadas, ou pinguelas;

ao Del Rey a realeza manifesta

e a prole encaminhada, tortamente escolheu destinos outros.

De minha parte, a sina materna edificou o clã

seres fortes, na estrada perpetuam a própria sorte,

combatentes do bom combate,

como Paulo, o menor, avisava ao timoneiro.

Juntos tocando a utopia,

honra a quem sempre viveu em sujeição,

resgate aos eternos cativos,

arte em stacatto, pizzicato, palhetada e dissonância,

arte final hachurada em pena fina

sobre idéias marchetadas no hipotálamo

sobre canções em piso de linóleo,

em movimentos breves de intensidade magnânima;

e um rostinho matreiro ainda a se definir sobre a paleta do arco íris.

Ao tempo, a perenidade da pétala da flor,

à condição humana, o tom efêmero dos legados,

às edificações, o transitório de cada tijolo,

ao infinito, meu microcosmo da ponta do pólen da flor da fotografia

de uma Brasília nascitura,

sob o claro céu de anil, obscura,

restrita.

Nada é novo nessa cidade, inclusive a certeza de sermos iguais,

meu pai.

Jane de Paula Carvalho Santos
Enviado por Jane de Paula Carvalho Santos em 27/04/2010
Código do texto: T2222877