Canto I

foi assim...

Um belo dia

não lembro se de noite,

se haviam nuvens no céu

que anunciassem a passagem em letreiros celestiais

Imensos,

e fugazes ao espirro de uma criança resfriada,

não me lembro,

quantas guerras haviam,

mas o cheiro de sangue

impregnava,

todos os Cantos que vinham

receber o recém-nascido.

*

a seca

gera um inchaço de cansaço,

gera flores crepitadas pelo medo,

dentes ruminantes de preces podres,

pernas que se negam a mover.

por sobre pedras

talhadas com o cuidado de um artífice milenar

estavam as frigideiras,

onde

o corpo indolente,

pendido pelo peso esmagador de sua cabeça,

perdia com deleite o pôr do Sol.

*

os lábios beijam a fina camada de poeira que se acumula,

engole resto de cores,

tentando cagar belas ruínas.

*

a Via estava interrompida,

nada,

além do vento,

passava.

Cessado o cortejo,

A multidão se espalhou,

Em tribos diminutas,

Cercada cada qual por suas leis e bandeiras.

Para buscarmos a água no poço,

Era preciso uma negociação diplomática,

Autenticação de documentos, testemunhas.

O Sol cercava cada esperança com uma determinação doentia,

e abstrata.

Eu evocava a noite,

A chuva de cristal,

E a carruagem

Que nos alçaria ao céu.

*

ao redor havia espaço.

“devíamos ter ficado ciscando,

de cabeça baixa” repetiam

em uma ladainha mansa, sem força.

aguardávamos na moita,

a tele-mensagem de um parasita

Mas

interrompido o fluxo dos detritos,

ficou a espera no Cheiro,

e uma noite sem estrelas.

*

azul sem formas.

Tendo que vagar

deixamos

Que a manhã tostasse nossos sonhos.

e os pesadelos

despertos

carregavam cada fratura com um cuidado de mãe;

o horizonte era uma vasta claridade

para olhos ávidos,

mas gastos de cansaço.

Surpreendia em nós a desesperança da procura.

*

as arvores estavam todas retorcidas

e seus frutos murchos

nos serviram de refeição.

foi quando ficamos sabendo

que o Coronel haveria de passar

por aquelas terras

mas que dali não passaria.

o dia teve festejo com sangue

multiplicado com o milagre da guerra.

(o dia-a-dia

dá e tira.)

*

do chão brotava uma grande fome

comia-se pedras

Homens e Urubus.

por falta de Uma sombra

onde se pudesse escutar música

que não fosse o rufar dos tambores,

por falta,

de um sorriso,

o crepusculo ignorou nossos olhos

batendo em retirada antes da hora.

segunda noite

a vagar sem estrelas:

Para qual porto pende a nau em cacos?

daniel rodrigues
Enviado por daniel rodrigues em 26/08/2006
Reeditado em 27/08/2006
Código do texto: T225968