A MEMÓRIA DOS ELEFANTES

para minha mãe, Eulália

o que estará no círculo das águas

no redemoinho

que me atrai para o fundo

do verde para o negro último da luz

quantos serão as algas que me esperam

os moluscos os peixes saudosos

no abismo da minha mergulhança

nas manhãs de bruma

do janeiro frio

que força será essa que clama

por uma paga um sacrifício

no coração das correntezas

e nunca se detém

seja por quem for

como numa cascata infinita

quem é que me chama ainda

dessas horas líquidas despidas de sol

para pagar com a vida o uso

do sal que alimenta os oceanos

as aventuras dos homens e das naus

os repentinos mantos de negrume

as penumbrentas passagens

dos superpetroleiros incógnitos

e eu inocente culpado

dessas viagens

a minha ânsia é o afastamento da terra

o destino o ir ao encontro do horizonte

da linha desmaiada do crepúsculo

é o grito implodindo no peito

em direcção à fundura do abismo

o caderno de apontamentos dos horrores

o despertar confuso das descobertas

da memória dos elefantes

e prometo que não me esqueço

com a memória dos elefantes

reescreve-se a história

só o passado existe na calmaria

o futuro mantém-se em cinza

e nada mais será como era

ontem hoje amanhã

dantes

da própria

era

afoguem-me nesse círculo de água

para eu o transformar em areia

em terra em arvoredo em céus

num oásis onde os homens

possam crescer na sua condição

de homens

percorrendo todos os mares

na pista do perdão do afago

da mão recolhida dos deuses

(olha mãe o dia nasceu

com o espelho branco

da lua cheia)

(inédito.12/2/04)

JAG
Enviado por JAG em 13/06/2010
Código do texto: T2317808