Horas
Estou bêbada.
Como se tivesse bebido horas a vida toda.
Tempo que não me sai.
Estou frouxa como um pedaço de vidro que se esqueceu de esfriar.
E como se fosse os restos de café no fundo insólito da xícara, paradoxalmente me sequei.
Sequei-me de tamanha descrença que nunca saiu de seu primitivo estado de matéria: a solidez.
E sólida assim que à existência afirmo: estou. Sem adjetivos e à nova pergunta: não tão certamente.
Sou o esperar desesperando dos meus órgãos coração relógio perderem os digitais ou quebrarem-lhe os ponteiros ou mudarem o fuso sem me avisar.
Alerta ao momento em que verei tão leve minh’alma flutuando a meu lado e de tamanha densidade poderia eu colocar-lhe flores na cabeça e caminhar e falar culinárias e novas técnicas de bordado inglês.
Estou bêbada de estrelas barulhentas caindo ao meu deserto. E não há um ser que passa para lhes fazer pedidos e promessas. E elas continuam caindo até que todos os homens fechem os olhos e se esqueçam que há estrelas que caem.
Se eu soluçasse abrupta e ruidosamente talvez os ranços abrissem fendas na parede cada vez maiores.
Eu seria uma única rançosa fenda bêbada soluçante na parede.
E um ruído cada vez mais abrupto em todas as fendas.
E um único ranço em todos os soluços abruptos das paredes ruidosas de todo o mundo.
Mas estou incansavelmente embriagada.