Cara mia

Eu te digo, e espero que me ouças

Pois a tempo não te posso falar.

É uma daquelas constatações de verão

Cheias de quebranturas e de nenhuma verdade,

Nem de mentira.

Te digo, entre um sorriso e um desespero

Que não há maior inimigo entre dois amantes,

Apaixonados, submersos, idiotas e lindos,

Que o rodear incessante dessa amiga.

Olhe a bela que vem em passos pequenos

Tocando cada pêlo em uma vértebra do assoalho:

À primeira vista é tão suave, e a necessitamos;

Sua paz, suas mãos, sua voz eternecedora

Que esquecemos, num cochilo distraído,

Inebriados pelo seu discurso carente de platéia,

Que ela veio pra roubar-nos do nossos eus-líricos.

Primeiro ela te tira os amigos,

Depois o sono.

Vem as rugas e o sentir-se velho;

E você desenha uma epopéia,

Pra ocupar o tempo ocioso.

Quando o céu agita, e o tédio parece dono dos teus sonhos,

Ela se apossa do que antes te entretinha

E tudo se faz seco e enfadonho.

Sua musa, seus deuses, suas ânsias e suas bocas

Não mais pedem o que se davam

E os amantes se tornam antes:

Do que sobrou não resta mais nada.

Existem duas pessoas que se querem

Porque essa amiga antes não os queria

E agora que a felicidade se torna repetitiva

Ela acena um lenço branco de paz,

Não de despedida.

Ela não insiste, nem pragueja

Pois todo o céu se move com seu condão

Pois sabemos, mesmo amando

Que dentro de cada indivíduo

Existe um lugar pra solidão.

Maria Clara Dunck
Enviado por Maria Clara Dunck em 14/09/2006
Código do texto: T240245
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