DOCE ENGANADORA
Enquanto fortuna quis,
dos males o maior do mundo,
pouco caso doutro caso fez
e de um pobre miúdo moribundo
tirou seus miúdos, desnudou-lhe a tez.
Infeliz! (coitado, mal é sabedor...)
Tolo! a entregar o seu maior tesouro,
não pedras preciosas, ouro,
porém mais valioso que esses: o Amor!
À uma falsa que só lhe atormenta,
bebe do seu pranto, sorve-lhe em taça,
dizendo que o quer em enganos o enlaça,
da sua carne e sangue então se alimenta,
todo tudo dá, mas não a sustenta
e docemente ela ao seu amor rechaça.
Servo fiel, atento, com veracidade
das necessidades e quereres desfaz,
desfaz dos seus gostos, pouco importa a gente
e os seus maldizeres, ele só a ama.
Mas:
Não é correspondido! Com amor veemente,
dominado, cego, não contempla o mal
lhe penetrando o sangue, veneno fatal,
que faltando um pouco o deixa carente.
Ele diz que é doce, ele diz que é vida,
esse veneno quente, esse amor saturado!
Mal quase invisível, tem a alma vertida,
puramente ama, sofrendo calado,
esperando ver a morte, assim, mais linda.
Engana-o o amor. Segue o mal amado
até que nesta vida tenha a sua finda.
"E a esta serpente de doces caminhos,
que lhe envenenou o sangue
em troca aos carinhos,
a quem entregou amor puro e sereno...
Seguirá melhor na estrada sozinho,
e ela que padeça em meio ao caminho
entorpecida com igual veneno."