sangue
tem dias quando acordo
não encontro as minhas mãos
não entendo
sangue escorre em minhas mãos
quem quer a minha alma
quem quererá minha aorta
quem derruba minha árvore, arterial
pulmonar, e o meu sangue já venoso
quem ainda quererá...
por que é que tem gente assim
sem amar
sem ver a quem amar
tenho sangue em minha boca
há ferpas em minha língua
choro, choro seco, sem lágrimas
será dor, e de leprose nem sinto?
terá vampiros à minha espreita
onde estarão minhas lentes
do lado canhoto ou destro
serei pura emoção ou só pensar?
não vejo com clareza, hoje
mas, tem dias, quando acordo
pessoas me parecem menos más
enquanto sonham, sonhos estranhos
melodramáticos, de poder e posses
eu, que não me importo com os dois
que tenho de telhado o céu
que tenho goteiras de chuva e sol
talvez devesse ter cumprido o meu
teria muitas crias, encheria terreno
almas, vivas, nada de pelotão, soldados
nada de guerreiros insanos, uma ordem
nova ordem, homens de liberdade e poesia
mas, alguém cortou os meus pulsos
separou as minhas mãos dos braços
proibiu-me de sentir, de dar abraço
e só vivo cortando a carne
sangrando
sinto sono e não durmo, hoje
sinto fome, sinto frio, sinto sede
sinto saudade, falta, não conhecia
e, pasme, agora, há um quê de poesia
na parede...