SIM, COLHER AS ROSAS

Um cortejo fúnebre?

Sim.

Mas quem é o morto?

Andem seus idiotas,

Saiam da frente e me deixem ver.

Mas o quê...?

Esse sou eu.

Aquelas pessoas desconhecidas

Aquelas lágrimas

E aqueles sorrisos disfarçados

Ah os sorrisos!

Tão expostos e omissos

Por detrás daqueles óculos

Quem é essa gente?

É essa lápide? Tanta mentira.

Sim, o morto sou eu

Mas e o epitáfio?

Não, não é para mim

Nunca fui nada disso

Todos sabem quem fui

Todos? Não, não todos

Pouquíssimos, sim pouquíssimos

E desses poucos, nenhum está aqui

Mas onde estão?

Onde estão os que poderiam me fazer justiça?

A justiça, decerto

Deveria ter sido feita por mim mesmo

Faltou-me honestidade

Para comigo mesmo

Sim, eis a questão

Negando a mim

Neguei a todo o resto

Que me significava

Por isso não há sequer uma lágrima familiar

Nesse teatro de horrores

Um sem número de estranhos

Que nada me significam

Um sem número de estranhos

Iguais a tantos outros, indiferença

Mas...

O que vejo ao longe?

Sim, conheço aqueles ali

Vou me aproximar

Vou ouvir-lhes a conversa

Mas parecem falar de outro morto

Há outro cortejo?

Não, não há.

Oh lástima, falam mesmo de mim

Há poucos com o meu nome

Mas o que dizem?

Tal qual a lápide, tudo errado

Vou corrigir-lhes

Olá! Sim vocês

Ué, mas não ouvem?

Minha nossa, é tarde

Um indigente conhecido

Uma vida julgando ser um

E na morte, outro

E aquela historia de ficar vivo nos corações?

De ficar vivo na memória?

Se essa for a memória, não estarei vivo

Esse de que falam é outro eu

E este eu eu não conheci

Não conheci, mas pelo visto apresentei pra muita gente

Meu deus, mas ainda há coisas piores

Todo o por fazer

O beijo que não recebi

Os sins e os nãos que deixei de dizer

Tudo que deixei de ver e ouvir

O livro...

A árvore...

O filho...

E ela?

Traiçoeira essa vida

Se bem que ela sempre me soprava aos ouvidos:

“Serei breve meu caro, serei breve”

Sim, agora me lembro

Mas sempre me falava tão jocosa

Pensei ser uma piadinha

Como tantas outras que me fizera

Não era! Não era! Não era!

Mas que barulho é esse?

Um despertador? Mas...

Sonho? Era sonho

Sim era sonho

Mas pode deixar de ser

Não, não posso permitir

Como é que disse o professor naquele filme mesmo?

“Colher as rosas enquanto é tempo”

Sim, colher as rosas.

Artsu Taraz
Enviado por Artsu Taraz em 16/08/2010
Código do texto: T2441816
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