PARA O BIBE
Como se em gradativos acontecimentos
minh'alma se apartasse do meu corpo
e me deixasse em dolorida sístole:
murcho-me nesta neblina.
Vejo? Pergunto?
Onde
a gentileza das ingênuas auroras
no tempo antigo
em que o vento compunha valsas nos teus cabelos
meus cabelos cor de trigo
e a tepidez do sol banhava
teu corpo de criança
meu corpo solto?
Onde
o teu sorriso
meu sorriso naqueles dentes tortos?
Onde
a cabeça inocente caindo do travesseiro bordado
num tempo em que não tínhamos
nem tu nem eu
nós pelo rosto?
O tempo, flagelo triunfante, secou a vida.
Em que ponto desconhecido desta Via Láctea
repousam os vultos cansados dos teus mortos
mortos meus?
A pele mudou
as pálpebras escureceram
os capinzais livres cobriram-se de paredões
a inclemência das fábricas e dos escritórios
devorou a infância.
Mas ainda persiste o eco de valsas passadas
caindo
sobre flores empoeiradas
sobre árvores mirradas
sobre o riacho poluído
sobre meus olhos
que foram os olhos teus
olhos meus:
então retornas
para que me ajudes a enxergar as cores
e me auxilies a não acreditar neste sabor de extrema-unção
em que tudo mergulhou.